Por Dimas Marques
Jornalista, pesquisador do Diversitas-USP e editor responsável do Fauna News
dimasmarques@faunanews.com.br
Uma equipe de fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente de Santarém (PA) verifica uma denúncia de tráfico de animais. No local indicado, uma senhora mostra o macaco-prego e o quati que cria acorrentados e um curió em uma gaiola. Ela, ao ser informada que os animais seriam apreendidos, chora e declara: “Eu amo eles, mas se o melhor é levar, que cuidem bem. Eles são muito carinhosos”.
Casos como esse não são incomuns. Ainda mais em regiões mais afastadas dos centros urbanos, onde a população mantém bastante forte hábitos e costumes de gerações passadas. Não importa a proibição da lei, afinal todo mundo faz e ninguém fiscaliza ou é punido pela atitude errada.
Além do mais, sempre se alega que o animal é bem cuidado e há amor envolvido. O que há de errado então?
Animal silvestre retirado da natureza sofre, e muito, ao perder a liberdade. Apesar dos sentimentos dos animais ainda estarem sendo estudados e entendidos, relação que se forma com o humano não pode ser considerado “amor” da forma como concebemos, mas um certa confiança do bichinho pelo fato de ser alimentado e não ser mau tratado. Bichos tem sentimentos sim, mas não podemos supor que eles são exatamente iguais aos nossos – caso contrário, correntes não seriam necessárias.
Mesmo quando sabem que é ilegal criar animal silvestre retirado da natureza, as pessoas insistem nessa atitude por não terem noção dos males que causam ao bicho e ao meio ambiente. Animal fora de seu habitat não cumpre suas funções ecológicas, ou seja, não ajuda a manter o equilíbrio do ecossistema onde vivia. Ele não come outros espécimes (ajudando no controle de populações), não é predado, não espalha sementes pela mata (aves, alguns macacos e a anta, por exemplo), não ajuda na polinização de plantas e por aí vai.
O estresse do cativeiro (principalmente logo após a perda da liberdade) pode resultar em queda da imunidade e o surgimento de doenças para o animal e para os humanos que tiverem contato com ele (transmissão de zoonoses). Contrair raiva, para quem captura e cria macacos, é uma possibilidade real.
O poder público tem o dever de explicar isso tudo. Aliado ao trabalho de conscientização, o sistema de fiscalização tem de funcionar e se mostrar insistente para deixar claro que, mesmo quando a legislação é fraca (como a brasileira), o infrator não vai ter sossego.
Mas nada disso é feito. De vem em quando, uma denúncia é atendida pelo desestruturado sistema de fiscalização, o caso vai parar na imprensa e todo mundo acha que o problema está resolvido. Ilusão… A cultura do criar animal silvestre como bicho de estimação vai continuar viva, os animais continuarão a sofrer ao serem capturados e os ecossistemas sendo levados ao seu limite.
E todos esses riscos por causa de um capricho.
Conheça, com detalhes, o caso registrado em Santarém.
“Uma operação ambiental na manhã desta quinta-feira (6) resgatou animais silvestres que estavam sendo criados em cativeiro na comunidade Nova união, no ramal que dá acesso à Praia Ponta de Pedras em Santarém, no oeste do Pará. Um quati, uma macaco-prego e um curió eram cuidados por uma idosa e não apresentavam sinais de maus-tratos em avaliação prévia.
A ação foi desencadeada após denúncias à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), e contou com apoio de equipe especializada em resgate de animais do Zoológico ZooUnama.
A princípio a denúncia informou que na casa onde os animais estavam ocorria a comercialização de espécies da fauna silvestre. Entretanto, segundo o agente de fiscalização ambiental Cláudio Santarém, se tratava apenas de criação. “A população tradicional tem essa cultura que felizmente não é permitida por lei”, explicou.
RESGATE E AVALIAÇÃO
Ao chegar no local, as equipes abordaram os donos da casa e informaram sobre a operação. A dona de casa Maria Dalva Gonçalves se apresentou como a cuidadora dos animais.
O macaco-prego e o quati estavam presos por correntes, e o curió em uma gaiola. Todos foram levados para o ZooUnama e passarão por avalições técnicas.
“O que procuramos saber principalmente é há quanto tempo eles estão em cativeiro, qual tipo de alimentação era ofertada. Precisamos ter todo cuidado para que eles se adaptem com a alimentação natural, aquela que eles têm acesso na natureza”, explicou a administradora do zoológico, Mary Jane Carvalho.
Na avaliação prévia o médico veterinário Jairo Moura constatou que o macaco-prego era alimentado de forma inadequada e apresentava deficiência nutricional. Já o quati estava com quadro mais saudável. O curió estava preso em uma gaiola suja. Porém, todos não eram mau tratados.
Depois se serem avaliados e estarem aptos, a equipe de médicos veterinários verificará se os animais têm condições para serem reintroduzidos à natureza.
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
A Semma abrirá processo administrativo e infração ambiental baseada no artigo 24 do decreto 6.514, com multa de R$ 500 por animal resgatado por não ser espécie que estão na lista de extinção. A idosa tem prazo de 20 dias para recorrer e apresentar a defesa.
Os órgãos ambientais ressaltam que as pessoas devem perder o costume de querer criar os animais em cativeiro, pois poderão sofrer sanções.
AMOR PELOS ANIMAIS
A idosa que cuidava dos animais contou ao G1 que estava com eles há pouco tempo e criou lanços com cada um. O macaco-prego foi entregue aos cuidados dela após a dona ser hospitalizada; a quati foi encontrada na estrada ainda filhote.
Durante a operação, o macaco ficou assustado e agarrou o braço da dona de casa. Segundo ela, a relação entre eles era cheia de amor. “Eu amo eles, mas se o melhor é levar, que cuidem bem. Eles são muito carinhosos”, em lágrimas, disse.
Maria Dalva contou ainda que se fosse possível tirar licença para criar os animais, tiraria o mais rápido possível.” – texto da matéria “Quati, macaco e curió criados em cativeiro são resgatados em operação ambiental”, publicada em 6 de setembro de 2018 pelo portal G1
Em tempo: animal criado sem autorização não pode ser legalizado.