
Bióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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A construção de uma nova rodovia gera perda direta de habitat para fauna devido à conversão de remanescentes de vegetação nativa em pista, acostamentos e áreas de acesso para os veículos. Mas essa não é a única área em que a fauna pode ter seu habitat alterado ou perdido. Embora remanescentes de vegetação possam seguir aparentemente intactos nas áreas adjacentes às estradas, isso não significa que são locais com qualidade suficiente (condições e recursos favoráveis) para que animais os habitem e prosperem.
Muitos impactos causados pela rodovia se estendem para além da pista de rodagem, gerando perda de qualidade de habitat para a fauna. Os mecanismos que geram essa perda de qualidade são distintos e difíceis de serem isolados, como ruído, luminosidade ou poluição do ar, por exemplo. Se a perda for severa, a área afetada pode tornar-se completamente impróprio para algumas espécies, gerando uma perda indireta de habitat.
A distância pela qual os impactos se estendem e podem ser sentidos por determinadas espécies ou grupos faunísticos a partir da rodovia é também conhecida como “zona de efeito”. Para determiná-la, pode-se medir parâmetros como abundância, atividade ou sobrevivência dos animais em diferentes distâncias da rodovia para identificar se há diminuição desses parâmetros em relação a áreas mais próximas.
Um estudo recente estimou a zona de efeito para diferentes espécies de morcegos insetívoros da Austrália com base na atividade desses animais, medida em diferentes distâncias das rodovias. Para isso, os pesquisadores instalaram gravadores em transectos (faixas de terreno) e mediram a taxa de vocalização das espécies. Para minimizar outros fatores que poderiam influenciar a atividade dos morcegos (além da distância da rodovia), foram instalados gravadores em transectos com ambientes semelhantes e consideraram nas análises informações de temperatura, número de árvores grandes e cobertura de dossel em um raio de 10 metros do aparelho.
A zona de efeito foi então definida como a distância da rodovia em que a atividade dos morcegos caiu 20% ou mais da sua atividade máxima medida ao longo do transecto. Esse limiar foi baseado em diretrizes de diferentes países que consideram que essa é uma queda de atividade prejudicial às populações de morcegos.
O estudo demonstrou que, em geral, existe uma zona de efeito da rodovia que afeta a atividade dos morcegos e isso aconteceu para sete das 10 espécies avaliadas. Considerando todo o conjunto de espécies, essa zona de efeito foi de 307 metros. Nas análises para cada espécie, a menor encontrada foi de 123 metros e a maior de 890 metros. Embora os pesquisadores tenham demonstrado essa zona de efeito para os morcegos, não é claro o que está causando a menor atividade das espécies próximo às rodovias. Como diversos mecanismos podem gerar esse efeito na atividade, como ruído ou luz, não é possível saber qual deles, de fato, está por trás dessa alteração.
Algumas espécies, individualmente, não demonstraram sofrer com essa zona de efeito da rodovia. Ao contrário das outras avaliadas, eles voam em maiores altitudes e velocidades e forrageiam em áreas abertas, podendo estar menos sujeitas aos impactos das estradas. Por fim, os pesquisadores levantam questões futuras a serem investigadas, justamente relacionadas à identificação dos mecanismos causadores dessa zona de efeito. Por exemplo, compreender por que as zonas de efeito podem ser tão extensas (aproximadamente um quilômetros), quando não se esperaria que a luz ou ruído se estendessem tanto.
A informação das zonas de efeito da rodovia para diferentes espécies ou grupos faunísticos pode ajudar nas tomadas de decisão tanto da viabilidade e planejamento do traçado de uma rodovia quanto das medidas mitigadoras e compensatórias, por meio da quantificação de habitat que será perdido ou degradado. Como vimos, a perda de habitat não se dá apenas de maneira direta dentro da área do traçado da rodovia, mas acontece de maneira indireta diminuindo a qualidade de habitat para a fauna em outras regiões. Por isso, ela precisa ser levada em consideração dentro do processo de licenciamento ambiental das rodovias.
Entretanto, o maior desafio é determinar quais os mecanismos que estão gerando essa zona de efeito para que saibamos o que exatamente é preciso mitigar para manter a qualidade do habitat e, consequentemente, alocar esforços de maneira efetiva.
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