Ainda estou aqui! Mas, até quando? Peixes amazônicos e o avanço da fronteira agrícola

A Amazônia abriga uma das maiores diversidades de peixes de água doce do planeta, com mais 2,4 mil espécies nativas e válidas. Porém, os processos ecológicos geradores dessa formidável diversidade ainda não são completamente conhecidos. Cientistas acreditam que devem estar entre eles a baixa taxa de extinção natural de espécies ao longo de milhões de anos e a estabilidade histórica de condições climáticas. Sublinhei os termos anteriores para diferenciá-los quando olhamos para o período que Will Steffen e colaboradores chamaram, em 2007, de “antropoceno” (inclui os dias atuais). Para eles, “Antropoceno representa uma nova fase na história da Terra, em que os seres humanos (suas ações) se tornaram uma força geológica global, rivalizando com as grandes forças da natureza”.

Dessa forma, compreendendo as ações humanas como causas não naturais da extinção de espécies e geradoras dos extremos climáticos como conhecemos hoje (instabilidade recente) e sabendo que atualmente são conhecidas mais de 50 espécies de peixes de água doce ameaçadas de extinção na Amazônia (a espécie capa deste texto é uma delas), formulo a seguinte questão: qual é o cenário atual de ameaças de extinção dos peixes amazônicos?

Para listar apenas duas das principais, com seus vários desdobramentos, cito a modificação/perda de hábitat e a introdução de espécies não nativas. Na primeira, menciono as ações humanas de desmatamento, queimadas, barramentos de rios e mineração e na segunda a utilização de espécies exóticas, como a africana tilápia-do-nilo (Oreochromis niloticus (Linnaeus 1758)), em peixamentos (soltura de filhotes) indiscriminados.

Neste texto, tratarei apenas do desmatamento e no próximo das queimadas no contexto do avanço das fronteiras agrícolas e suas implicações à conservação dos peixes amazônicos.

Desmatamento e implicações para ictiofauna ameaçada

Os rios e riachos de uma bacia hidrográfica apresentam fluxo unidirecional de água (nascente a foz) e suas características físicas, químicas e biológicas mudam nesse gradiente longitudinal. Ademais, na Amazônia, devido a elevação do nível da água dos rios durante os períodos de cheias, essas características se relacionam diretamente com o ambiente terrestre circundante e, por isso, falar de desmatamento na Amazônia é também falar de impactos sobre os ambientes aquáticos.

Considerando os dados do Imazon dos últimos 14 anos, a média de desmatamento na Amazônia foi de mais de 4,6 mil km²/ano. Separando esses dados em quatro grupos (G1 – 2011-2014, G2 – 2015-2018, G3 – 2019-2022 e G4 – 2023-2024) e analisando se há diferença estatística significativa (p<0,05) entre eles, temos o seguinte cenário:

• O grupo G1 teve desmatamento menor que o G2, o G3 e o G4.
• O grupo G2 teve desmatamento maior que o G1, menor que o G3 e não diferiu do G4 (p>0,05).
• O grupo G3 teve desmatamento maior que o G1, o G2 e o G4.
• Por fim, o grupo G4 teve desmatamento maior que o G1, não diferiu do G2 e teve desmatamento menor que o G3.

Desta forma, temos um indicativo claro do quanto a política nacional em relação ao meio ambiente oscilou quanto ao desmatamento no período analisado.

Ainda considerando dados do Imazon e falando somente de 2024, foram desmatados mais de 3,7 mil km², cerca de 7% a menos que em 2023 e 19% a menos que a média dos últimos 14 anos (analisados anteriormente). O que foi uma boa notícia! Mas esse valor ainda corresponde a uma área de mais de mil campos de futebol por dia. Soando o sinal de alerta, pontuo, que em janeiro de 2025 (pleno ano da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima – COP 30, que será realizada em Belém, no Pará, no segundo semestre), o desmatamento teve um incremento de quase 70% quando comparado com janeiro de 2024 (133 ante 79 km²).

E por que isso é tão preocupante?

Um estudo realizado na Amazônia brasileira em 2018 sugere respostas negativas na composição da ictiofauna mesmo em baixos níveis de desmatamento (<20% da área total analisada) e em eventos recentes (<10 anos após a ocorrência). Ainda segundo o estudo, as espécies mais sensíveis tinham funções únicas nos ecossistemas e estavam associadas a hábitats de bacias hidrográficas florestadas. Respostas positivas incomuns encontradas pelos autores não compensam a perda de espécies mais sensíveis e provavelmente contribuem para a homogeneização da ictiofauna.

Outro estudo de 2018 avaliou a influência do desmatamento e do aumento da temperatura da água como fatores redutores do tamanho corporal de peixes amazônicos. Foi registrada uma variação de até seis graus na temperatura da água quando compararam riachos com margens desmatadas e florestadas. Além disso, os peixes de riachos com água mais quente e margens desmatadas foram em média 36% menores que os peixes de riachos com água mais fria e margens florestadas. Como o tamanho corporal pode ser influenciado por outros aspectos, além da temperatura da água em ambientes naturais (por exemplo, disponibilidade de matéria orgânica), foi conduzido um experimento de laboratório com a espécie Melanorivulus zygonectes (Myers 1927) isolando as variáveis temperatura e origem das populações e, de forma geral, foi registrada uma redução de até 16% do ganho de massa corporal em peixes quando eles estavam submetidos a águas mais quentes.

Então, o que podemos fazer?

• Intensificar a cobrança quanto a passividade de nossos governantes sobre o desmatamento na Amazônia.
• Acompanhar de perto o trabalho do poder legislativo quanto ao enfraquecimento da normatização já existente sobre o tema.
• Exigir a realização de concursos públicos para as carreiras ambientais (aqui eu faço um destaque, que os certames sejam abertos, exclusivamente, para a contratação de pessoal com qualificação superior na área ambiental. Ora, se para cuidar de uma doença as pessoas recorrem a um médico, qual a razão para os concursos nas áreas ambientais serem abertos para qualquer pessoa com diploma superior indiscriminadamente?).
• Requerer que mais recursos sejam alocados para a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento tecnologias que ajudem a reduzir os impactos gerados pelo desmatamento na Amazônia.
• Discutir, em nossas comunidades locais e regionais, estratégias para denunciar (talvez ainda na COP 30?) os grandes responsáveis e corresponsáveis pelo desmatamento na Amazônia.
• Articular para que essa temática seja sempre abordada nos componentes educacionais em todos os níveis de escolarização.
• Usar os meios já existentes (por exemplo, a Linha Verde do Ibama – 0800 061 8080) para comunicar e denunciar desmatamentos.

Referências

• Jézéquel, C. et al. A database of freshwater fish species of the amazon Basin. Nature – Scientific data, 7(96), p. 1-9, 2020.
• Lundberg, JG. et al. So Many Fishes, So Little Time: An Overview of Recent Ichthyological Discovery in Continental Waters. Annals of the Missouri Botanical Garden, 87, p. 26-62, 2000.
• Steffen, W. et al. The Anthropocene: Are Humans Now Overwhelming the Great Forces of Nature? Royal Swedish Academy of Sciences, 36(8), p. 614-621, 2007.
• ICMBio-MMA (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Ministério do Meio Ambiente). Base de dados SALVE. Disponível em: https://salve.icmbio.gov.br/#/ Acesso em 01/03/2025.
• Vannote, RL. et al. The River Continuum Concept. Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences, 37, p. 130-137, 1980.
• Junk, WJ. et al. The Flood Pulse Concept in river-floodplain systems, p. 110-127. In: Dodge, DP (ed.) Proceedings of the International Large River Symposium. Canadian Special Publications of Fisheries and Aquatic Science, 106, 1989.
• Brejão, GL. et al. Threshold responses of Amazonian stream fishes to timing and extent of deforestation. Conservation Biology, 32(4), p. 860-871, 2018.
• Ilha, P. et al. Deforestation and stream warming affect body size of Amazonian fishes. PLOS ONE 13(5): e0196560.