Por Ludmila Henrique
Aluna de Jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e integrante do portal Impacto Ambiental para o Projeto Nova Geração
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Por um momento, você já observou os peixes em um aquário? Seja em um aquário pequeno que fica dentro da sua casa, talvez no aquário de um pet shop ou em um aquário municipal? Pois bem, você provavelmente notou a preferência deles por locais que possuem algas flutuantes ou a imediata reação quando algo novo e diferente acaba aparecendo na superfície.
Por inúmeras razões comportamentais, os peixes, principalmente os pelágicos (que nadam livremente na coluna de água), são atraídos por objetos flutuantes. E isso afeta a distribuição de algumas espécies pelos oceanos, tanto de animais adultos quanto de juvenis. Existem relatos de grandes densidades de peixes em volta de algas que ficam à deriva ou de objetos flutuantes, como jangadas e boias. A partir do conhecimento sobre essa característica dos peixes, os pescadores começaram a utilizar objetos conhecidos como FAD (sigla da expressão em inglês “fish aggregating device”, que traduzido significa “dispositivo de agregação de peixes”) para atrair cada vez mais cardumes e facilitar a pesca.
Apesar de serem considerados uma forma eficiente e limpa para ajudar a captura de peixes pelágicos, quando comparados a outros métodos, os FADs afetam de forma negativa os ecossistemas marinhos. Os principais problemas são a captura acidental de animais que não estão no foco da pesca (bycatch) e a alteração no habitat dos peixes, além da interferência na saúde e na nutrição da espécie alvo da pesca.
Os FADS podem ter diferentes estruturas. De acordo com um guia elaborado pelo governo de Queensland, na Austrália, é possível serem encontrados três tipos principais desses dispositivos: os FADs que se mantém na superfície, FADS de subsuperfície e os FADs chamados de “toda a água”.
Os dispositivos de superfície consistem em uma boia de marcação em forma de cone, uma lanterna marinha, um receptor acústico e um rastreador GPS. Já os de subsuperfície são formados por seis flutuadores e se mantém a, no mínimo, 25 m abaixo da superfície. Os de toda a água são formados pelos dispositivos de superfície e de subsuperfície juntos. Os três tipos são ancorados para manterem a localização onde foram deixados.
A principal razão de existir mais de uma estrutura para esses dispositivos é a própria adequação de cada um deles aos oceanos e às espécies específicas de peixes que eles vão agregar. FADs de superfície agregam particularmente peixes pelágicos, como cavalas, bijupirás e peixes-de-bico (espada). Os de subsuperfícies agregam peixes como o dourado-do-mar, além de atum e peixe-agulha, por exemplo. E por fim, os FADs de toda a água são adequados para atrair, além dos peixes dos outros modelos de agregados, os que vivem no fundo do oceano (demersais).
No mar Mediterrâneo, a pesca com FADs é muito comum. Na ilha italiana da Sicília, localizada no Mediterrâneo central, existe a presença de dispositivos conhecidos como cannizzi, que são depositados no mar durante o fim do verão e agregam os peixes de setembro a janeiro. Sua estrutura geralmente é feita de folhas de palmeiras em conjunto com objetos flutuantes, como garrafas plásticas ou isopor, e são ancoradas com uma corda amarrada a blocos de concreto.
É evidente que a técnica dos FADs facilitou os avanços no setor pesqueiro industrial. Cerca de 19 mil FADs são utilizados todos os anos nos mares da Sicília de acordo com um censo realizado em 1996 e, segundo a revista Science News, cerca de um milhão de toneladas de atuns foram capturados com ajuda desses dispositivos em 2005.
Impactos negativos
Mas quais são os impactos negativos que os FADs podem causar quando o manejo for realizado de maneira inadequada? Em uma pesquisa divulgada pela revista científica Nature em 2019, foi observado como as mudanças climáticas em conjunto com a utilização de forma extensiva dos dispositivos de agregação podem ter afetado a distribuição espacial de um peixe termofílico (organismos que gostam do calor) conhecido como xarelete (Caranx crysos).
Primeiro foi analisado que, desde a década de 1990, ocorreu um crescimento progressivo desse xarelete no noroeste do mar Mediterrâneo em decorrência do aquecimento dos oceanos. No mesmo período, uma quantidade massiva de uso de dispositivos de agregação foi documentada na mesma região. Os dados iniciais sugeriram que a junção desses dois fatores, alterações climáticas e a utilização de FADs, podem ter permitido de forma indireta a disseminação da espécie para o norte.
Para avaliar esses fatores, foram realizadas duas abordagens de pesquisas. A primeira visou a reconstrução de dados históricos da presença do xarelete e de sua distribuição espacial, além de fatores ambientai – como a salinidade da superfície do mar, a temperatura da superfície e a concentração de clorofila – e a presença dos dispositivos de agregação. A segunda buscou entender se a presença de FADs favoreceu a distribuição da espécie para a zona costeira.
O resultado dos estudos identificam que, após 1990, o número de FADs foi a principal variável que atuou para a nova distribuição geográfica dos xareletes, já que os peixes têm uma maior afinidade para águas meso oligotróficas (ambiente que oferece níveis muito baixos de nutrientes), condições encontradas nas áreas costeiras do Mediterrâneo oriental e no sul do Mediterrâneo central. A principal diferença entre ambas as áreas está no fato de que no sul do Mediterrâneo central existe uma densidade maior de FADs, indicando que a presença desses dispositivos podem ter sido uma variável importante.
Os pesquisadores acreditam que esses dispositivos ajudaram na dispersão dos xareletes para zonas costeiras, pois teriam garantido abrigo para os peixes juvenis. O uso extensivo dos FADs pode ter desempenhado, junto com a variação de temperatura, um papel importante modificação da quantidade e na alteração geográfica de um peixe em grande escala.
Outros impactos
Um dos maiores problemas relacionados aos FADS é a captura acessória (bycatch), consequência da coleta acidental de animais que não são o objetivo da pesca, como tartarugas e tubarões. A área científica da Oceana, organização que atua pela conservação dos oceanos e sua biodiversidade, informou que nas ações de embarcações de cerco, que utilizam grandes redes para cercar e capturar cardumes de peixes, tendem a ocorrer mais casos de bycatch. Só em 2005, 100 mil toneladas de capturas acessórias foram realizadas em áreas próximas de FADS.
O estudo publicado pela Nature em 2019 conclui que a utilização extensiva dos FADs no oceano ainda pode alterar o equilíbrio de ecossistemas marinhos pela dispersão de espécies. Portanto, é necessário que a gestão de pescados deve impor um certo controle sobre a utilização dessa ferramenta.
Na mesma pesquisa divulgada pela Nature também foi apontado que existem estudos para saber se o uso intensivo de FADS alteram a alimentação de algumas espécies em condições de crescimento. Outro impacto negativo é perturbar os padrões migratórios de alguns peixes.
Brasil
A Oceana informou para o Fauna News que, no Brasil, esse método de pesca não é comum e não há qualquer regulamentação que trate do uso de FADs. Além disso, houve uma retificação na norma que trata da pesca de atuns na modalidade cardume associado, que usa FADs, justamente para destacar a utilização desse método de pesca. O principal impacto que os dispositivos de agregação podem ter no Brasil é a diminuição da disponibilidade do estoque de peixes pelo aumento da captura no Atlântico Leste, visto que os atuns são espécies altamente migratórias.
A utilização de FADs pode ser bem controversa. Apesar dos impactos negativos, a sua proibição também não pode ser considerada como uma solução para os problemas de alteração do ecossistema, mudanças no comportamento de cardumes e bycatch. O dispositivo também é uma forma relativamente limpa da auxiliar a pesca de atum em comparação aos métodos com linhas e iscas, diz Tim Davis, pesquisador de conservação marinha do Imperial College London, para a Nature. É preciso levar em consideração também que a pescaria fornece emprego e alimento para uma quantidade grande de pessoas.
Em entrevista ao Fauna News, o professor do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Ecologia Marinha e Costeira da UNIFESP, Bruno Mourato, comentou sobre como reduzir os impactos negativos causados por esses dispositivos. “Ao invés de proibir, é necessário obter soluções viáveis para desenvolver uma pesca mais sustentável e diminuir seus impactos. Uma das soluções é a regulamentação do manejo de quantidade de FADs que podem ser utilizados nas embarcações ou a certificação da pescaria de cerco com FADS, já que ela levaria em conta vários parâmetros para indicar se essa atividade pode ser aceita ou não, além de deixar o consumidor ciente dos impactos do processo produtivo do produto que ele está comprando.”
Outra solução, segundo Bruno, é uma forte fiscalização para limitar os números de licenças de embarcações que utilizam FADs e a rastreabilidade dos peixes comercializados, o que permite identificar a origem do produto que o consumidor está comprando, com dados como tipo de pescaria, a empresa e o barco envolvido.