Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de São Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. Mestre e doutorando em Sustentabilidade pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP)
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Sabemos que existem diversas legislações, órgãos públicos, ONGs e grande parte da sociedade civil que entendem que proteger animais silvestres é uma necessidade do ser humano. Mas por quê? O que nos motiva ao caráter protetivo dos animais e qual a importância dessa atividade? Bem, este mês vou procurar realizar uma breve explanação jurídico-conceitual sobre o que pode nos motivar e acredito que, mesmo inconscientemente, agimos com base nessas motivações.
Cabe ressaltar que até a Constituição de 1988 os animais eram tratados como objetos do Direito, sendo a eles aplicado uma proteção similar a um veículo ou uma máquina que poderia possuir um valor econômico, dessa forma sendo sempre pertencente a uma pessoa, física ou jurídica, e cabendo a ela a forma como se conduzir essa relação, com uma intervenção mínima estatal.
Sei que muitos irão dizer que não há nenhuma menção em nossa Constituição sobre essa alteração e que ainda o status jurídico dos animais permanece o mesmo, o de coisa. Mas faço uma reflexão e uma interpretação holística de nossa Constituição para demonstrar que não, que ela muda consideravelmente a relação humano-fauna e que há uma tendência natural para a evolução do protecionismo animal.
Iniciando essa análise pelo próprio nome com que nossa Constituição foi batizada, a Constituição Cidadã, voltada para a criação e manutenção de garantias fundamentais, como a liberdade, a vida, a educação e, como já consagrado em seu artigo 225, ao direito a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações”, revelando o que realmente é procurado pela sociedade brasileira: a proteção da vida e da qualidade de vida.
E como podemos falar em evolução e qualidade de vida aceitando ações danosas à natureza, em especial à fauna, peça fundamental para a manutenção dos ciclos de vida, além de possuir seu próprio valor intrínseco de vida. Dessa forma, todas as vezes que vegetação é suprimida ou um rio é poluído, estamos derrubando a linha da qualidade ambiental de ecossistemas e causando danos que podem ser irreversíveis à fauna, que cada vez mais está sendo acometida pela falta de habitat, o que facilita sua caça e captura, além do surgimento de doenças causadas pela interferência humana em seus territórios.
Olhando por essa lente macro, da que, como sociedade, buscamos qualidade de vida, não é mais concebível imaginar animais como coisas, pois com a inclusão dos conceitos de sustentabilidade em nosso dia a dia, ficou evidente que compartilhamos o planeta e codependemos dessa relação harmoniosa para evitar a extinção de espécies, assim como a manutenção de serviços ecossistêmicos que a fauna presta gratuitamente ao ser humano. É o caso da polinização feita pelas abelhas ou a disseminação de sementes realizadas por pequenos herbívoros. E o melhor de tudo, a um custo zero, sendo preciso apenas manter a qualidade ambiental dos habitat.
Nesse sentido, associado a uma evolução do ser humano ao entender a vida e a liberdade como direitos inegociáveis, vê-se aumentar aqueles que já compreendem que esses direitos já não são exclusivos dos humanos e, sim, inerentes à própria vida, devendo ser defendido também aos animais não-humanos. Isso levou à previsão constitucional da não sujeição dos animais a ações de abuso e maus-tratos e à criação de regras para minimamente controlar o comércio e a manutenção em cativeiro dos animais silvestres.
Em 1998, dez anos após a promulgação de nossa Constituição, foi publicada a Lei nº 9.605 – Lei de Crimes Ambientais -, que trouxe parte dos preceitos constitucionais de proteção à fauna, seja de forma direta como no reforço à criminalização do tráfico, da manutenção irregular de animais silvestres e dos maus tratos a animais, seja de forma indireta como na proteção de nossas florestas e cursos d’água.
Mesmo já completando mais de 20 anos da publicação dessa lei, foi nos últimos dois ou três anos que percebemos uma revolução social em direção à preocupação com o meio ambiente em escala global e com a proteção dos animais. Acredito que pela facilidade causada pelo acesso às redes sociais, atrelado à evolução da sociedade trazida pelas novas gerações e somada à solidificação dos conceitos de sustentabilidade.
Diante deste texto, que abre minha coluna em 2022, mantenho a esperança de que, a cada dia que passa, a cada animal resgatado de maus-tratos, em casa ou no tráfico, silvestres ou doméstico, estamos caminhando para um mundo melhor, em que a sociedade não mais aceitará um tratamento cruel aos animais, seja de forma direta ou indireta, e para um 2022 mais sustentável e melhor para todos nós.
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