Por Silvana Davino
Bióloga e responsável técnica da Área de Soltura Monitorada (ASM) Cambaquara, em Ilhabela (SP)
segundachance@faunanews.com.br
Pepa era o nome da ave que transformou nossas vidas em 2008. Um jovem periquito-verde (Brotogeris tirica) encontrado no chão, em frente ao portão da minha casa, em Ilhabela (SP). Não conseguia voar e eu não sabia o que fazer com ele. Levei-o até a clínica veterinária do Dr. Denis, conhecido por atender os animais silvestres, quem deu um diagnóstico de fratura na asa e a orientação de entregá-lo para um centro de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras).
Porém, ao sair da clínica, uma mulher comentou que o seu destino seria muito provavelmente a eutanásia, pela sua condição de não poder voar. Aquela frase me paralisou, pois aqueles pequenos olhinhos do periquito já tinham conquistado o meu coração.
Então, eu resolvi cuidar dele: fiz exame de sexagem e dei–lhe o nome de Pepa ao saber que era uma fêmea.
Eu não entendia nada de aves e quem me ajudou na época foi o Édson, um empregado que nos ajudava a cuidar do nosso sítio em Ilhabela. Ele conhecia muito de pássaros por vir de região do interior da Bahia, onde caçar para comer ou ter aves em gaiola era muito comum.
Édson tinha muita habilidade para segurar a aves na mão. Com ele, aprendi coisas bem básicas no manejo diário dela. Paralelamente, a minha curiosidade em dar uma boa vida para a Pepa me fez correr atrás de cursos, workshops relacionados às aves silvestres e ser uma autodidata.
Não queria mantê-la numa gaiola, então Pepa passava boa parte do tempo solta na goiabeira em frente da minha casa. Foi quando, depois de um mês, um garboso periquito-verde se aproximou e vimos uma paixão surgir entre os dois. Ela tinha seu viveiro e esse periquito macho, que demos o nome de Kiwi, nunca mais saiu de perto, tentando a todo custo entrar no viveiro, até que abriu um buraco na tela e entrou.
Como para mim, era inconcebível que uma ave que voava ficasse presa (Kiwi), acabei bolando um projeto de um modelo de viveiro ideal onde Kiwi pudesse sair e a Pepa ficar dentro em segurança, porque, se ela saísse sem nossa supervisão, com certeza seria atacada por algum predador pelo fato de não poder voar.
Felizmente levei o projeto à prática e foi um sucesso!
O viveiro era grande e em um dos cantos colocamos vidros no teto e nas duas laterais, numa delas havia um cano de PVC de 10 centímetros de diâmetro, onde o Kiwi poderia entrar e sair quando quisesse. O vidro impediria que a Pepa pudesse escalar pelas paredes próximas ao cano e os poleiros ficavam a uma distância superior a um metro, impossibilitando que ela pudesse alcançar a saída com um pulo.
O Kiwi saía e voltava todos os dias. Instalamos um ninho natural, que eles mesmos começaram a cavar. Eles tiveram mais de 14 ninhadas, mais de 70 filhotes, que o casal cuidou e saíam pelo cano com o pai, sendo livres e asselvajados, porque não interferíamos nesse processo.
Em 2012, encontrei caído um filhotão de papagaio-moleiro (Amazona farinosa) manso que fugiu de cativeiro e começamos a cuidar dele porque tinha o bico quebrado e uma doença respiratória chamada aspergilose. No mês seguinte, caiu mais um papagaio dentro do nosso sítio, com a asa machucada… O terceiro papagaio foi trazido por um munícipe que soube que estávamos cuidando de outros dois. E assim, resolvemos criar a nossa área de soltura monitorada (ASM), que foi homologada em 2014 pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sima).
Continuei a buscar capacitação na área para que pudesse melhor atender as aves. Cursei e me formei em Ciências Biológicas e assumi a responsabilidade técnica da ASM Cambaquara.
Quando me formei, minha sábia mãe disse: “Por causa de uma Pepa virou bióloga!”. A mais pura verdade! A Pepa, nossa ave-fundadora, viveu conosco até 2018. O Kiwi não voltou mais desde 2016.
Até o momento, já atendemos mais de 800 aves e devolvemos mais de 500 delas à natureza. Esperamos continuar e conseguir ajudar muito mais. Obrigada, Pepa, pela oportunidade de nos abrir portas para o mundo encantado das aves, esta paixão que nos move! Para conhecer mais a história da Pepa, nossa ave fundadora, visite este álbum em nossa página no Facebook.
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