Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
No dia 1° de junho de 2022, durante uma sessão da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, um parlamentar favorável à caça no Brasil insinuou que outro deputado federal seria a Lassie, já que esse outro se contrapunha ao projeto de lei nº 5.544/2020, que libera a matança.
Lassie é o nome de uma cadela da raça collie que fez muito sucesso em filmes para cinema e televisão. Eu era fã.
Qual o problema em ser chamado de Lassie? Por que alguém usaria isso como ofensa? Aliás, diante da índole de alguns humanos, eu não tenho problema em ser chamado de cachorro.
Nesse sentido, a fala do parlamentar foi especista e denota a falta de argumentos para defesa do projeto de lei (PL). O PL em questão tenta aprovar a legalização da caça esportiva no Brasil e contraria não apenas preceitos ecológicos e éticos, como também, constitucionais.
No que se refere a Lassie ser cadela, entendo ser um fato irrelevante. Ela era a heroína dos filmes, inteligente e possuía caráter, ao contrário de vários humanos.
Mas a fala também possuiu, possivelmente, conotação homofóbica. Ou seja, quando o projeto de lei é atacado, não se consegue defendê-lo em sua base e com uma discussão civilizada. Na ausência de argumentos, parte-se para a agressão verbal. Essa agressividade gratuita, que desrespeita inclusive colegas deputados, busca ocultar a falta de base técnica na defesa da caça.
Mas eu entendo o deputado, afinal, é difícil defender o imoral, absurdo, cruel e ignorante projeto de lei que atende apenas aos interesses da indústria armamentista e de pessoas que se regozijam matando animais. O verniz conservacionista, que tenta acobertar os interesses reais, se perde facilmente ante a qualquer discussão técnica.
Eu também posso salientar que não interessa, a qualquer deputado nem a ninguém, a orientação sexual das pessoas ou o que se acha ser a orientação sexual das pessoas.
Lassie é um cão e uma fêmea. E ser cão não é xingamento, assim como ser fêmea também não o é. Embora, no uso das palavras tenha parecido que assim se entende. Talvez seja apenas em uma cabeça machista e especista.
Sobre questões homofóbicas, posso dizer que a humanidade perdeu Alan Mathison Turing (7 de junho de 1954), que foi importante no desenvolvimento da computação teórica e na formalização dos conceitos de algoritmo, por exemplo. Ele criou a máquina de Turing, que pode ser considerada um modelo de computador. Apesar dessas realizações, nunca foi totalmente reconhecido em seu país de origem durante sua vida, em grande parte por ser homossexual. Obrigado a ser submetido a castração química, ele acabou se suicidando.
Turing Morreu apenas POR SER HOMOSSEXUAL. Acho que esse fato, um dentre milhares ou milhões, diz muito sobre o preconceito.
Quanto a ser chamado de cão, espero que o deputado já tenha lido o mais emblemático discurso de Martin Luther King. Mas creio que não, pois se o tivesse lido, provavelmente teria uma melhor visão de mundo. Em seu histórico discurso, ele diz:
“Eu tenho um sonho que meus quatro filhos pequenos um dia viverão em uma nação onde eles não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.”
Entendo também que a cobertura de quitina, escamas, penas ou pelos não deva ser o critério de como trataremos os outros seres. Todos merecem respeito.
E se todos merecem respeito, nenhum deve ser perseguido, caçado e morto para que alguns se divirtam. Eu faço, com orgulho, parte dos 93% dos brasileiros que abominam a caça. E você?
– Leia outros artigos da coluna NA LINHA DE FRENTE
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)