A vida noturna das aves nas cidades

Se você é um entusiasta das aves, já deve ter observado ou escutado falar das aves noturnas, principalmente porque animais de espécies que vivem de noite são cheios de misticismo. As espécies noturnas mais conhecidas são as corujas, os urutaus e os bacuraus, as quais são muito encantadoras e envolvidas em várias lendas. Mas além dessas espécies que vivem intensamente de noite, existem outras que, apesar de serem diurnas, podem realizar atividades noturnas em algum momento da vida.

Esse comportamento noturno extra pode ser natural da espécie, como naquelas que fazem suas atividades diárias durante o dia, mas preferem migrar na penumbra da noite. No entanto, algumas espécies podem adicionar ao seu comportamento naturalmente diurno uma dose de atividades na madrugada devido a alguma necessidade. Mas leia até o final que vou explicar um pouco mais sobre essas diferenças.

A maioria das aves noturnas mais conhecidas, que mencionei acima, moram em áreas mais florestadas. Algumas até se arriscam a viver em pequenos fragmentos (ou parques) urbanos. No entanto, de forma geral, as aves não têm uma vida muito fácil nas áreas urbanas, pois é um desafio habitar entre prédios, concreto, avenidas e as poucas árvores que restam. Ainda assim, temos muitas espécies vivendo perigosamente em grandes cidades. Porém, a maioria delas se adapta alterando seu comportamento para conseguir sobreviver. E essa alteração pode estar inclusive relacionada à vida noturna.

Os sabiás paulistanos

Quando chega a primavera, um dos assuntos mais comentados na cidade de São Paulo sobre as aves é o canto noturno dos sabiás. Nessa época do ano, o canto dessas aves se torna intenso em horários bem diferentes. Por volta das 3h da madrugada eles já começam a cantar. Até aí não seria um problema, mas a reclamação surge quando esses sabiás fazem a cantoria bem próximos às janelas das casas.

Mas por que esses sabiás fazem isso?

Uma das explicações mais plausíveis para o comportamento desses sabiás boêmios relaciona essa mudança de horário à tentativa de não competir com o ruído urbano. Mas o que isso significa?

Bom, as aves cantam para se comunicar, então quando estão em busca de parceiros ou de defender o território, que ocorre principalmente durante a primavera, elas cantam. Porém o grande ruído que tem em cidades como São Paulo dificulta que esses animais sejam ouvidos e, por isso, trocam o dia barulhento por noites mais silenciosas e calmas. Isso os ajuda a serem ouvidos pelos seus potenciais parceiros para acasalar e por seus potenciais concorrentes de território. Então, se você mora em São Paulo e escutar um sabiá cantando fortemente durante a noite, lembre-se: ele só está querendo ser ouvido.

Urbanização altera migração das aves

Outro comportamento noturno das aves que está sendo afetado pela urbanização é a migração noturna. Isso porque as luzes das cidades confundem as aves e aquelas que veem luzes fortes acabam sendo atraídas e mudando seu trajeto.

Inclusive já foi publicado um artigo em uma das revistas mais conceituadas na área das Ciências, a Nature, abordando esse impacto causado pelas luzes artificias noturnas. A chamada “poluição luminosa” (light pollution) impacta negativamente vários aspectos biológicos e ecológicos das espécies. Podem inclusive afetar no ritmo circadiano e orientação durante o voo. Algumas aves acabam ficando desorientadas seguindo as luzes artificiais das cidades e perdem o rumo que deveriam seguir, podendo assim se atrasar para chegar em seus destinos ou mesmo nunca chegar.

Aves migratórias passam por diversas fases ao longo do ano, como muda de penas, juntam energias para migrar (engordam), procuram parceiros, põem ovos e criam seus filhotes. O tempo de cada fase desse ciclo precisa ser respeitado para que consigam completar todos os anos sua jornada migratória.

Já existem campanhas no EUA em que instituições, como a Audubon, pedem que sejam reduzidas as luzes das cidades durante a noite. Isso inclui reduzir luzes decorativas e holofotes durante o período migratório, além de evitar luzes muito fortes nas casas e ruas. Por aqui no Brasil ainda não temos conhecimento do efeito luminoso das cidades sobre as aves, mas já sentimos os efeitos da urbanização com nossos sabiás. Quem sabe a luz urbana também não é um fator que faz com que o sabiá fique acordado de noite?

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