Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
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Uma das atividades mais prazerosas para quem trabalha com soltura é participar de eventos em outras entidades que também fazem soltura.
No dia 26 de março, fui convidada a acompanhar a soltura de tiribas (Pyrrhura frontalis) na Área de Soltura e Monitoramento (ASM) Cambaquara, localizada em Ilhabela, litoral norte de São Paulo.
A ASM Cambaquara foi homologada pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sima) em 2013 e de lá para cá vem fazendo um trabalho de reabilitação e soltura voltado a espécies de psitacídeos (araras, papagaios, periquitos…) de ocorrência na ilha, com destaque especial para o papagaio-moleiro (Amazona farinosa). A entidade possui uma estrutura bem montada com boa área florestada, cozinha, viveiros para avaliação e reabilitação dos animais que chegam e, em especial, um para treino de voo, construído com apoio do World Parrot Trust. Esse viveiro tem a função de servir como preparação dos animais pré-soltura, já que a capacidade de sustentar o voo é elemento chave para o sucesso do retorno à vida livre.
O papagaio-moleiro, que é o maior papagaio brasileiro, tem status de conservação pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) de Quase Ameaçado (versão 3.1), por isso, todo e qualquer indivíduo reabilitado e reintroduzido conta. Além disso, esta espécie possui uma distribuição territorial complexa, com populações habitando os extremos do país, conforme mapa reproduzido do WikiAves.
Por suas várias especificidades, o papagaio-moleiro foi eleito em 2015 como ave-símbolo do município de Ilhabela.
Mas hoje nosso foco é nas tiribas!
Atualmente tidas como o “terror dos telhados”, pois cada vez mais, por conta da degradação ambiental, é comum que as tiribas nidifiquem em áreas urbanas, causando prejuízos aos moradores. Os casos são tão frequentes, que ASM Cambaquara tem um fôlder explicando como proceder e evitar prejuízos, tanto aos animais como para as pessoas. O script já é conhecido: morador reclama, animais são retirados dos forros e aí alguém tem que cuidar… E não pense você que cuidar desses filhotes é tarefa fácil! Para ressaltar isso, já fiz várias colunas abordando o tema do cuidado dos filhotes. E só para completar, a tarefa, além de trabalhosa, é custosa, com cada filhote exigir investimentos de até R$ 150 até o momento da liberação na natureza.
Mas voltemos à história de soltura de hoje.
Cenário montado, com placas indicativas, mesas de lanche e teste na porta de abertura do viveiro! Até o detalhe da instalação de uma gaiola cenográfica onde as pessoas podem entrar e terem a “experiência” do que é viver engaiolado.
Convidados chegando com representantes de várias entidades, inclusive com representantes de outras áreas de soltura e a presença da Secretária de Meio Ambiente do município, a sra. Katia Regina Freire. O mais legal foi perceber o interesse disciplinado, com conversas em tom baixo e movimentos controlados, de moradores e visitantes, pessoas comuns aprendendo com o evento, ou seja, educação ambiental da melhor qualidade!
A ASM Cambaquara cuida e reabilita cerca de 150 animais dessa espécie por ano e faz a soltura em lotes, possibilitando assim maior chance de os animais se adaptarem adequadamente fora dos viveiros. A técnica utilizada foi a de soft release, ou seja, abre-se o viveiro, que permanece aberto e com alimento até que os animais se sintam confiantes e se dispersem.
E a soltura do dia 26? Foi quase coreografada! As tiribas deram verdadeiro show!
Assim que foi feita a abertura da portinhola localizada na parte superior do viveiro, foi colocado um comedor para estimular os animais a chegarem ali. Pouco a pouco, o bando foi chegando, parando bem na saída e olhando com curiosidade para fora. Mesmo para mim, que já fiz e participei de inúmeras solturas, foi um momento de emoção, pois as aves saíram juntas em uma revoada até as árvores mais próximas. A formação de um grupo coeso de animais de diferentes ninhadas é sinal do trabalho bem-feito e, sobretudo, dedicado da ASM Cambaquara e sua bióloga responsável. Parabéns, Silvana e Pablo, vocês arrasaram!
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