Por Reginaldo Cruz
Graduado em Administração e em Ciências Biológicas, é associado da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil) e sócio-administrador da Cruzeiro do Sul Consultoria Ambiental Ltda.
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É correto colocar o graxaim a cuidar do galinheiro?
Após a concessão da Licença Prévia (LP) para implantação de um empreendimento sujeito a licenciamento ambiental federal ou estadual (com exceção de empreendimentos de baixíssimo impacto, cujos processos são extremamente simplificados), há a necessidade, entre outras condicionantes da LP, de proposição de Programas Ambientais para obtenção da Licença de Instalação (LI). Estamos abordando, por exemplo, casos envolvendo rodovias e ferrovias.
Entre os programas estão os de fauna, que visam, sobretudo, monitorar as relações da fauna silvestre com as atividades de implantação do empreendimento, identificar impactos e propor medidas de mitigação.
Partindo do que expus no título, não é minha intenção me deter, neste artigo de opinião, a discorrer acerca da péssima qualidade dos desenhos amostrais propostos (só posso falar daqueles que chegaram ao meu conhecimento). O próprio ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em entrevista ao Estadão, reconheceu que “Muitas vezes, o licenciamento trava por causa da baixa qualidade desses estudos. A gente estuda mal e, de repente, oferece um produto ruim para o órgão de meio ambiente analisar.”
A meu ver, é inegável que um desenho ruim pode ser considerado “vantajoso” por alguns empreendedores e isto fica evidente quando há insistência em replicar o desenho do diagnóstico, ou em seguir a Instrução Normativa (IN) nº 13/2013 do Ibama ipsis litteris, ou, ainda, monitorar todos os grupos de vertebrados, gerando imensas listas de espécies, imensas tabelas de apresentação de índices variados e belas curvas, cheias de recursos estatísticos.
Coloco o vantajoso entre aspas, porque esses estudos que, quase sem exceção, levam do nada a lugar algum, não são financeiramente vantajosos. Estudos focados no monitoramento de ambientes e/ou espécies sensíveis aos potenciais impactos do empreendimento são menos dispendiosos e apresentam grande potencial para obtenção de resultados importantes para a conservação.
A vantagem de se monitorar um desenho ineficaz reside no fato de que essa forma de monitoramento apresenta chances ínfimas de detectar a ocorrência de impactos negativos do empreendimento sobre espécies ou grupos sensíveis. Entenda-se por ineficaz o desenho definido para a amostragem de classes inteiras de fauna, áreas pontuais trazidas do Estudo de Impacto Ambiental (algumas a mais de 20 quilômetros de distância do traçado, em razão da adoção de alternativa locacional que não a originalmente pensada), transectos fixos e estações de captura em locais determinados a partir de distâncias fixas, entre tantas outras e tão frequentes proposições, aparentemente tão bem-intencionadas.
E há, também, vantagem no fato de a equipe de monitoramento estar trabalhando/transitando em áreas afastadas das obras ou da operação do empreendimento, reduzindo a possibilidade de vir a tomar conhecimento de eventos que possam trazer prejuízo à fauna silvestre.
E onde entra o graxaim?
Não bastasse tudo o que relatei, a equipe de monitoramento de fauna está, sempre, a serviço do próprio empreendedor, que recebe os relatórios, analisa, revisa, pede ajustes, alterações, complementações, exclusões e, por fim, protocola o produto.
E se a equipe detecta, por exemplo, uma ação danosa ao meio ambiente, uma falha no processo ou uma intervenção em área protegida, o empreendedor irá entregar ao órgão ambiental o relato?
Com relação à proposição de desenhos mal delineados, cabe uma parcela maior de responsabilidade ao órgão ambiental, que é quem o valida, em última instância, e acaba por aprovar o estudo se todos os métodos e esforços definidos foram realizados, independentemente da qualidade dos resultados (nem entro na seara da qualidade da discussão e proposição de medidas, pois muitas vezes os estudos não chegam a estes itens). Cabe questionar o papel dos consultores e consultorias (mais correto chamá-los executores e executorias), que simplesmente fazem dos estudos ambientais um negócio: não fazem consultoria, e sim, elaboram, simplesmente, o produto para o qual foram contratados para fazer.
E com relação ao empreendedor como contratante? Como abrir o bico e denunciar o graxaim sem correr o risco de ser o primeiro a ser devorado?
Só vejo duas saídas (e não são ideias minhas e nem novidades):
1 – Intensificação da fiscalização dos empreendimentos, pelos órgãos ambientais, e fiscalização dos estudos, pelos conselhos regionais; e/ou
2 – Pagamento dos estudos pelo empreendedor, com contratação da consultoria pelo órgão ambiental, garantindo, assim, a isenção necessária à lisura do processo.
As alternativas que vislumbro não são novidades e nem de fácil implementação, mas é necessário avançar, ainda mais neste momento em que, após 16 anos de tramitação, ganha força no Congresso Nacional uma versão “liberal” da Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
Portanto, conclamo meus colegas biólogos para que repensemos nosso papel, atuemos com ética acima de tudo, e busquemos sentido no que fazemos. Atuar como consultor e não apenas como executor é uma atitude com alto potencial transformador da realidade.
Creio que seja um bom começo. Como diz o colega Andreas Kindel: um passo de cada vez.
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