Por Ednilson Queiroz
Tenente-coronel da Polícia Militar Ambiental do Mato Grosso do Sul. É biólogo, especialistas em Perícia Ambiental, mestre em Tecnologias Ambientais e doutor em Ecologia.
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O tráfico de animais silvestres é considerado a terceira atividade criminosa mais rentável, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o tráfico de armas. Porém, em Mato Grosso do Sul, o problema se resume quase que especificamente ao papagaio-verdadeiros (Amazona aestiva), que, felizmente, não sofre problema no tocante à sua abundância na natureza. Praticamente, as aves são retiradas principalmente da região da divisa com o estado de São Paulo e, um pouco menos problemática, da região da divisa com o Paraná. A estratégia de fiscalização tem sido a atuação conforme o comportamento e o modus operandi dos traficantes, que têm se comportado há tempos da mesma forma.
Com relação ao papagaio, como o que interessa ao comprador na espécie é a capacidade que a ave tem de aprender a imitar a voz humana, a retirada só é realizada enquanto filhote. Por esse motivo, o intervalo entre agosto a dezembro é preocupante com relação ao tráfico de animais silvestres no Mato Grosso do Sul, pois é o período reprodutivo dos psitacídeos (araras, periquitos, maritacas, etc.), entre eles, o papagaio, que é o animal mais traficado no Estado.
A Polícia Militar Ambiental (PMA) conhece o sistema de ação dos traficantes, que têm usado o aliciamento a sitiantes, trabalhadores rurais, moradores de assentamentos rurais e a população que vive nas áreas críticas ao tráfico. Cerca de um mês antes dos nascimentos dos filhotes, combinam preço e possíveis datas de retirada dos animais coletados, que são levados, em sua maioria, para o estado de São Paulo.
Sabendo que a região principal do problema de tráfico de papagaio se constitui nos municípios próximos às divisas com os estados de São Paulo e do Paraná, como Jateí, Batayporã, Bataguassu, Ivinhema, Novo Horizonte do Sul, Anaurilândia, Santa Rita do Pardo, Nova Andradina, Três Lagoas e Brasilândia, além de Naviraí, Itaquiraí, Eldorado e Mundo Novo, a PMA passa a monitorar essas regiões antes do período reprodutivo. Primeiro com policiais do serviço de inteligência e depois com homens fardados para a prevenção à retirada e repressão, quando não se consegue evitar a coleta das aves.
As equipes são distribuídas em regiões de fazendas e assentamentos e realizam bloqueios em vários pontos com o intuito principal de evitar a retirada dos filhotes dos ninhos, tendo em vista que, depois da retirada das aves, mesmo quando são apreendidas, há problemas para a natureza e os custos econômicos para cuidar dos animais até a reintrodução são altos para o poder público. Essa distribuição dos policiais segue também bases de dados de pesquisadores, que monitoram os ninhos.
Outra estratégia é o convencimento de outros órgãos de segurança, como unidades da Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Rodoviária Federal, principalmente da região com maior índice do tráfico, para ficarem alertas ao problema nesse período e participarem de operações, o que tem se constituído em um acerto ótimo. Aumenta-se significativamente as forças de atuação, o que consequentemente minimiza o problema.
A união com os outros órgãos ambientais tem sido fundamental também para evitar a retirada dos filhotes dos ninhos. A PMA e o Ibama, pelo terceiro ano consecutivo, deflagraram no dia 14 de agosto de 2020 a operação Bocaiúva, uma ação em conjunto entre os órgãos para obter resultados positivos na prevenção, com redução dos papagaios apreendidos. Como exemplo, foram apreendidos 141 filhotes em 2018 e 180 em 2019. Quando a operação conjunta não era executada, foram apreendidos 357 filhotes em 2017. Além disso, não foram registradas apreensões no estado de São Paulo de animais saídos do Mato Grosso do Sul, diferentemente de outros anos.
Além dos trabalhos de educação ambiental, que envolvem atividades lúdicas com vários temas nas escolas, quando são atendidos em média 20 mil alunos por ano no Estado, a PMA mantém trabalhos por meio da informação e da presença nas propriedades rurais para prevenir os aliciamentos de funcionários de fazendas e assentados pelos traficantes para a retirada dos filhotes.
Outro problema relativo ao tráfico de animais não envolve a fauna brasileira. Mato Grosso do Sul tem sido rota de passagem de canários-da-terra peruanos (Sicalis flaveola valida), sempre em grande quantidade, que entram no Brasil trazidos por traficantes peruanos, bolivianos e brasileiros. Eles são levados, na maioria das vezes, para Brasília, norte de Minas Gerais e a região Nordeste, onde são utilizados em rinhas por ser uma espécie apenas um pouco maior, mas muito parecida com o Sicalis flaveola brasiliensis, o canário-da-terra nativo do Brasil. Esses animais também são cruzados em cativeiro com a ave brasileira, fato que coloca em risco a espécie. O cruzamento produziria um espécime intermediário, difícil de ser diferenciado e muito forte para utilização nas rinhas.
Nesse caso, a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal n° 9.605 de 1998) não tipifica esta atitude como tráfico e sim como introduzir espécime no país sem autorização do órgão ambiental competente, com pena baixíssima de três meses a um ano de detenção – baixíssima levando em consideração risco ecológico e sanitário e por ser uma atividade de comércio internacional. De fato, a lei não tipifica o tráfico de animais em nenhuma das atividades ilegais à fauna, em todos seus artigos, parágrafos e incisos.
Enfim, a atividade de tráfico de animais silvestres não é tão preocupante para a fauna sul-mato-grossense, mas há a necessidade de que os órgãos de segurança, principalmente aqueles com função de polícia judiciária, especialmente, a Polícia Federal, entrem no esforço, tendo em vista que todas as aves que saem ou passam pelo Estado são levadas para outros estados e a Polícia Militar Ambiental não tem poder constitucional de investigação, muito menos interestadual. Há a necessidade de se tentar identificar as organizações criminosas para a imputação de maior responsabilidade.
Outra preocupação envolve a Lei de Crimes Ambientais, que não tem sido fator de dissuasão das práticas de crimes contra a fauna terrestre. Por exemplo: para ambos os casos aqui citados, a lei prevê pena de no máximo um ano de detenção. Ou seja, são feitos termos circunstanciados de ocorrência (TCOs) e as pessoas vão embora para responder em liberdade, sendo que depois o processo judicial sempre é substituído por pena alternativa, por ser caso de juizados especiais de pequenas causas.
Para se ter ideia, relativamente ao tráfico de papagaios, houve caso em que a Polícia Militar Ambiental deteve o mesmo infrator traficando papagaio três vezes seguidas no mesmo período reprodutivo, em apenas dois meses. Então, o que acontece é que todo ano envolve a repetição de todo o esforço preventivo e repressivo para cuidar do mesmo problema, tendo em vista que a norma que é seria uma ferramenta de dissuasão do cometimento do crime não tem sido efetiva nesse aspecto.
Sugestão à alteração da lei
Analisando a legislação ambiental brasileira, verifica-se que houve abrandamento das penalidades para os crimes contra a fauna terrestre previstos na Lei Federal nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais). A Lei Federal nº 5.197/1967 (Lei de Proteção à Fauna) não previa fiança para as pessoas que cometiam crimes contra a fauna terrestre (caça ilegal, manutenção em cativeiro e de tráfico de animais silvestres, entre outros). Quem era pego realmente ficava preso.
A Lei de Crimes Ambientais foi promulgada com abrandamento significativo das penas para os crimes contra a fauna terrestre, tratando os caçadores e os traficantes de forma igualitária a quem tem um animal silvestre ilegalmente em cativeiro, inclusive, não distinguindo penalidades com relação a quantidades. A pena é a mesma para quem é pego traficando um ou mil animais. Isso no tocante à parte penal, é claro.
A Lei Federal nº 5.19719/1967 previa pena de 2 a 5 anos de reclusão. Com a promulgação da Lei de Crimes Ambientais em 1998, a pena máxima passou a ser de apenas um ano de detenção, podendo ser aumentada de mais meio ano caso o animal encontre-se na lista de espécies em extinção. Isso daria, então, no máximo um ano e meio de pena.
Como a própria Lei de Crimes Ambientais é também afetada pela Lei Federal nº 9.099/1995 (lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), quem é pego caçando ou traficando animais silvestres no Brasil não será preso em flagrante. É confeccionado apenas um Termo Circunstanciado (TCO), em que o autuado se compromete a comparecer em juízo para responder pelo crime e, em seguida, é liberado. Os dispositivos da Lei nº 9.099/1995 preveem a aplicação de punições alternativas para crimes com penas previstas de até dois anos. Enfim, dificilmente alguém será preso por tráfico ou caça ilegal de animais silvestres.
O artigo 31 que trata da introdução de animais no Brasil é outro ponto com punição branda na Lei de Crimes Ambientais. Ela não tipifica a entrada de animais de outros países no Brasil sem autorização do órgão ambiental competente (Ibama), mesmo que para comércio, como crime de tráfico e prevê uma penalidade menor. O tipo penal é descrito nesse artigo 31 como “Introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida por autoridade competente” tem pena de detenção de três meses a um ano e multa.
Hoje, entram no Brasil, para serem utilizados em rinhas e criação em cativeiro, milhares de canários peruanos (Sicalis flaveola valida) advindos do Chile, Peru e Bolívia. Já houve prisões de peruanos com esses animais. Na parte penal, eles assinaram um TCO e retornaram ao seu país. Na parte administrativa, não adianta nem efetuar o auto de infração (multa administrativa), pois estrangeiro não possui CPF nacional e não há como fazer a cobrança. Dessa forma, não há punibilidade. A espécie pode levar a extinção do canário-da-terra (Sicalis flaveola brasiliensis).
O aumento da pena para um a três anos, faria com que, pelo menos, coubesse a prisão em flagrante.
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