
Por Suzana Padua
Mestra em educação ambiental e doutora em desenvolvimento sustentável. Co-fundadora e presidente do IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade (Escas)
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As mulheres precisam ter muita garra para irem a campo em trabalhos de conservação de espécies. Por isso as admiro tanto e sei que merecem aplausos. As razões são inúmeras: terem que lidar com os afazeres da casa, que com raras exceções não recaem sobre elas; não mostrarem fraquezas junto às equipes com quem trabalham, inclusive, ou principalmente, aos mateiros; estarem prontas para novos desafios como longas caminhadas em matas fechadas ou dias expostas a intempéries da natureza, que podem ser chuvas torrenciais, sol a pino, frio ou calor demasiado; e precisam se dispor a encarar falta de conforto. Tudo isso só é possível se houver paixão pela causa que defendem.

Devo reconhecer algumas que sempre me impressionaram. Ressalto poucas, mas são muitas as mulheres extraordinárias que se dedicam a salvar espécies, ecossistemas e elementos da natureza. Jane Goodall, por exemplo, é o ícone máximo no cenário internacional, cuidando de chimpanzés, carismáticos como ela. Mas existem outras que conheci e que se destacaram com trabalhos incríveis, como Mary Pearl, que pesquisou macacos Rhezus em condições abusivas de frio intenso no Paquistão. Na época, o país estava em guerra, que só não a atingiu porque seu estudo era nas montanhas, embrenhada nas matas. Com a bagagem que adquiriu, liderou por anos a Wildlife Trust Alliance, instituição que reuniu diversas organizações conservacionistas espalhadas pelo mundo, como a nossa, o IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas, sendo muitas também capitaneadas por mulheres.
Estrangeiras no Brasil temos alguns exemplos inspiradores. Lou Ann Dietz, que trabalhou e ainda é fervorosa defensora dos micos-leões-dourados, foi minha mentora quando ingressei na área da educação ambiental vinda de outro campo profissional. Ela, na verdade, foi um marco na formação de muitos educadores ambientais no Brasil, compartilhando metodologias e estratégias até então novas no país e que foram de extrema importância, principalmente no que concerne o envolvimento de comunidades locais na conservação. Utilizou uma espécie-bandeira, no caso o mico-leão-dourado, para aumentar o orgulho e a vontade de engajamento das pessoas em causas socioambientais.
Outro exemplo de estrangeiras no Brasil é Karen Strier, que vem dedicando sua vida aos muriquis e já orientou diversos brasileiros e brasileiras na primatologia, deixando um belo legado de jovens profissionais aptos a novos desafios.
Com personalidade forte, lembro bem da Devra Kleiman, conhecida por brigar por tudo que acreditava ser o melhor para os primatas, em particular para os micos-leões.
No Brasil, algumas conservacionistas de espécies específicas me vêm à mente com alegria e orgulho, como Neiva Guedes, que há décadas se dedica exemplarmente às araras-azuis do Pantanal. Presenciei o nascedouro de seu trabalho e a vi desabrochar como pesquisadora dessas aves que cativam a todos por sua rara beleza.
O mico-leão-dourado também conta com brasileiras que vêm dedicando suas vidas pela conservação da espécie, como Cecilia Kierulff, Andreia Martins e Nandia Xavier. Os micos-leões-dourados têm nelas aliadas fiéis à sua conservação, cada uma atuando em campos distintos pela proteção da espécie e seu habitat.
No Amazonas tem várias, mas como meu foco é bem tendencioso à primatologia, ressalto a dedicação de Dayse Campista com o Saguinus bicolor (sauim-de-coleira), macaquinho carismático e cuja distribuição é exatamente onde foi implantada a cidade de Manaus e seu entorno. A espécie precisa mesmo de madrinha para ajudar na sua sobrevivência.
No IPÊ, temos muitas mulheres que admiro, mas duas em especial dedicam suas vidas a espécies. A Patrícia Medici trabalha incansavelmente pela conservação das antas brasileiras. Recebeu inúmeros prêmios e tem um Ted Talk com mais de um milhão de views, o que indica a qualidade de seu trabalho e sua paixão pelo tema. Recentemente, Patrícia e sua equipe, ao dissecarem antas atropeladas para estudar zoonoses e outros males que poderiam as estar afetando, descobriram que a maioria estava contaminada com agrotóxicos usados nas monoculturas do Cerrado e do Pantanal de Mato Grosso do Sul, alguns inclusive de uso proibido. Triste e ameaçadora descoberta, não só para a espécie, mas para outras que não estão sendo estudadas e que devem estar igualmente em risco, sem falar dos seres humanos da região.
Ainda no IPÊ, a Gabriela Rezende estuda o mico-leão-preto, espécie que deu origem à instituição. Aliás, o mico-leão-preto serviu de escola para muitos do IPÊ, como Cristiana Martins, Fabiana Prado e tantas outras e outros. Fabiana depois liderou por anos a fio a conservação do mico-leão-da-cara-preta, espécie descoberta no início da década de 1990, cuja região de abrangência é a costa do norte do Paraná e do sul de São Paulo. As condições de trabalho eram as mais desafiantes. Fabiana trabalhou frequentemente com lama até os joelhos, o que demostra paixão e determinação, para dizer o mínimo. Hoje, Cristiana coordena o programa de pós-graduação da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade – ESCAS do IPÊ e Fabiana um grande projeto nosso na Amazônia, o LIRA – Legado Integrado da Região Amazônica.
Recentemente, Gabriela e Patrícia receberam Prêmios Whitley, considerado o “Oscar” da conservação. Gabriela vem inovando ao colocar “pousadas” para os micos, que são caixas de madeira nas árvores que ainda não contam com ocos por serem novas, para assegurar que eles tenham onde se abrigar à noite dos predadores. Com isso, os corredores de matas que o IPÊ vêm plantando no Pontal do Paranapanema (SP) agora podem ser amplamente usados pelos micos e outras espécies que dependem desse abrigo e as populações de um fragmento de floresta têm como migrar para outros fragmentos, aumentando as chances da formação de novos grupos, ampliando a população e evitando consanguinidade e seus efeitos deletérios que podem levar a extinções locais.

O mico-leão-preto há décadas conta com um programa integrado e contínuo de educação ambiental, já descrito em outro artigo no Fauna News. Esse foi meu tema de estreia nesse campo e até hoje o programa é liderado pela Gracinha, Maria das Graças de Souza, que sabe como cativar e envolver públicos diversos nas temáticas socioambientais.
As educadoras ambientais do Projeto Tamar certamente merecem reconhecimento, pois tornaram as tartarugas-marinhas em verdadeiros símbolos de orgulho regional. Hoje, o Tamar é reconhecido nacional e internacionalmente por sensibilizar milhares de pessoas que vivem ou visitam as costas brasileiras.
O próprio Fauna News conta com mulheres incríveis e gostaria de parabenizar a todas. Mais que congratulá-las, é agradecer a cada uma pelo valioso trabalho que desempenham. Além das mulheres desse grupo, existem muitas merecedoras de admiração e gratidão por estarem protegendo a riqueza natural que ainda existe no Brasil e no planeta.
A meu ver, o que a mulher tem de diferente do homem em sua forma de atuar (naturalmente aqui de maneira estereotipada)? As mulheres tendem a colocar suas famílias em primeiro lugar. Isso muitas vezes inviabiliza o cumprimento de calendários rígidos e a flexibilidade acaba imperando. São agregadoras e nutrem o encontro. Preferem ouvir críticas se essas forem para manter as equipes integradas. E mais, levam críticas a sério porque tendem a refletir no que precisam melhorar em sua atuação, achando sempre que a culpa por algo que não saiu tão bem é sua. Isso talvez porque a mulher goste dos processos e não apenas dos resultados e, assim, aprende no caminhar. Como muitas cresceram tendo que provar que são capazes de desempenhar papéis desafiadores, quando até suas próprias famílias por vezes duvidavam, buscam qualidade em tudo o que fazem como forma de assegurar a eficácia de seus feitos. Finalmente, utilizam criatividade e intuição, traços bem femininos, para lidarem com as complexidades que encontram e para chegarem aos resultados que almejam. Isso resulta em trabalhos realizados com qualidade, pois se não for assim podem nem ser levadas a sério.
Não que os homens deixem de ter atitudes e qualidades semelhantes às aqui descritas. Mas a mulher acaba por ousar descobrir como se faz algo contornando os desafios – nem sempre em linha reta –, o que a leva além do que é esperado, e se delicia com as nuances do que encontra em seu percurso. Essa é uma característica importante para a conservação de espécies, que exige visão ampla e atenção aos inúmeros aspectos socioambientais com que se depara nos contextos onde atua.
O que têm esses aspectos femininos a ver com educação ambiental? Na verdade, há semelhanças sutis. A educação tradicional sempre priorizou o racional e o objetivo, características mais masculinas do que femininas. Apesar de ter trazido avanços valiosos, também provocou crises socioambientais que se tornaram mais evidentes e frequentes nas décadas de 1960 e 1970. Foi aí que se passou a refletir sobre o que deveria ser somado à educação que estava sendo oferecida, para que a humanidade mudasse sua forma de agir e respeitasse os limites da finitude dos recursos naturais. Surgiu, assim, o campo da educação ambiental, que passou a adicionar ao conhecimento a reflexão sobre valores, o incentivo ao engajamento e ao exercício da cidadania.
A educação deveria ter sido sempre assim, mas não foi. Por isso a necessidade de se trabalhar o tema como uma área à parte. Ela passou a integrar todos os campos do conhecimento de maneira a criar resiliência e a compreensão do que é complexidade. A educação ambiental lida com aspectos diversos do saber e para tal utiliza ambos os lados do cérebro, e não apenas um, como era comum até algumas décadas atrás. Trata o ser humano de forma integral, com seu lado racional e objetivo e seu lado intuitivo e de valores – masculino e feminino. Isso faz toda a diferença e tem rendido resultados significativos para o engajamento e o exercício da cidadania.
Há muitos homens nessa área, mas as mulheres na educação ambiental no Brasil são inúmeras. Lembro-me bem da criatividade da Neli Mergulhão, no Zoo de Sorocaba, onde criava incessantemente atividades estimulantes, educativas e de imensa sensibilidade para que o visitante se sensibilizasse com a importância das espécies ali presentes.
Outra educadora que sempre me impressionou pela qualidade de seu trabalho é Marlene Tabanez, do Instituto Florestal de São Paulo, pioneira e inovadora na forma com que engaja públicos distintos às unidades de conservação. Consegue apontar o que melhor estimula o visitante a se envolver e a se apaixonar pelas áreas protegidas. Sempre focou na capacitação, criando cursos e promovendo encontros participativos sobre temas como educação ambiental, ecoturismo e uso público, tornando-se referência por sua qualidade impecável em tudo o que faz.
No campo mais teórico-filosófico, Isabel Carvalho tem analisado o papel da educação ambiental como área de profunda reflexão, pois instiga pensamentos transformadores e escolhas conscientes e políticas. Seu início na educação ambiental foi também no Instituto Florestal de São Paulo, portanto, com experiência diretamente ligada às áreas protegidas.
Outra educadora ambiental que tem sido capaz de agregar diferentes pensadores brasileiros e estrangeiros, trazendo reflexões profundas e contribuições valiosas ao campo da educação ambiental é Michele Sato. Publicou livros com inúmeros autores, que ajudam a evidenciar a complexidade e como esse é um campo em construção contínua e digno de constante atualização.
Esses são apenas alguns exemplos dos muitos existentes em que as mulheres se destacam na educação ambiental e na conservação de espécies no Brasil. No mundo das universidades e das organizações da sociedade civil são inúmeras e valiosas as educadoras ambientais que constroem conhecimentos no campo socioambiental e buscam caminhos para uma vida mais sustentável e melhor em nosso planeta. Peço desculpas por não mencionar tantas outras, mas as que apontei aqui são apenas algumas das que pude conhecer pessoalmente e que me marcaram pela qualidade de seus trabalhos e pela diversidade dos temas que abordam.
Tanto a mulher quanto a educação ambiental têm muito a conquistar. Estudos sobre gênero apontam desigualdades marcantes de oportunidades. Na educação, ainda se verifica forte deficiência em integrar campos que poderiam enriquecer a compreensão e a incorporação de valores ligados à sustentabilidade e à conservação. Mas, uma vez que muitas mulheres se caracterizam por sua sensibilidade, obstinação, determinação e persistência em atingir objetivos, abraçam causas que muitas vezes parecem inatingíveis, inclusive a de uma educação inclusiva e ampla, que vai além de aspectos tangíveis.
Como poderíamos tirar partido da mulher na educação ambiental? Uma vez que o papel aceita tudo, aqui vai um sonho meu antigo. Se em cada bioma ou, melhor ainda, em cada ecossistema, uma espécie fosse estudada, protegida e se tornasse motivo de orgulho, provavelmente todas as demais seriam beneficiadas. O resultado poderia ter um efeito multiplicador na conservação como um todo, porque onde há alguém atuando com dedicação, qualidade e paixão, e compartilhando conhecimentos por meio de programas educacionais, as transformações que favorecem a natureza e o próprio ser humano acontecem.
É disso que precisamos e, mais uma vez, agradeço a quem estuda, trabalha e se dedica à conservação e à educação ambiental, seja com espécie, habitat ou qualquer outra forma de proteção socioambiental.
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