
O Fauna News tem acompanhado o caso das onças que foram mortas em Curionópolis (PA) desde o início da divulgação desse massacre. Em 29 de agosto, publicamos “Horror! Seis cabeças de onças em freezer no Pará”, e em 31 de agosto, “Perícia trabalha no caso das cabeças de onças do Pará. Pelo menos 19 foram mortas”.
Em resumo, em 26 de agosto, durante uma operação policial que objetivava a localização de armas, foram encontrados em uma residência partes de 20 animais mortos (16 onças-pintadas, duas onças-pardas, uma jaguatirica e um jacaré), além de sete aves vivas (três bicudos, um curió, um azulão-da-Amazônia e dois canários-da-terra). Chamou bastante a atenção o fato de que seis cabeças de onças estavam em um freezer.
Também foram apreendidas 50 espingardas e munição.
Júlio César da Silva, Maria de Jesus das Dores Silva e Francisco Evangelista, foram detidos no local. Apontado como responsável pelos animais e por grande parte das armas, Júlio foi multado pelo Ibama em R$ 494 mil (R$ 460 mil pelos animais mortos e R$ 34 mil pelas aves mantidas em cativeiro sem autorização). Dos três envolvidos, ele é o único que permanece preso – isso por causa das armas, pois, se o caso envolvesse “apenas” os animais, Júlio já estaria em liberdade.
Pelo fato de as penas para os crimes contra a fauna identificados no caso terem penas inferiores a dois anos (“menor potencial ofensivo”), eles são submetidos à Lei 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e abre a possibilidade da transação penal e a suspensão do processo. Agrava a situação a Lei 12.403/2011, que estabeleceu o fim da prisão preventiva para crimes com penas menores que quatro anos de prisão.
Maria de Jesus pagou fiança no valor de um salário mínimo e Francisco, com quem foram encontradas duas armas, foi arbitrado o valor de meio salário mínimo. O Fauna News não conseguiu saber qual a acusação contra a mulher.
Pela precisão dos cortes das cabeças e das peles encontradas e a manutenção de partes como patas, crânios e testículos, a Polícia trabalha com a hipótese de tráfico de animais. O Fauna News abordou essas informações em “Perícia trabalha no caso das cabeças de onças do Pará. Pelo menos 19 foram mortas”.
Chineses
Não muito longe do Pará, ainda na região amazônica, na Bolívia há registros de caça de onças para envio de seus dentes para a China. A informação está na matéria “Chinese Smugglers Driving Up Jaguar Killings in Bolivia”, publicada coincidentemente no mesmo dia da localização das cabeças de onça (26 de agosto) pelo site da fundação Insight Crime (que estuda o crime organizado na América Latina):
“O tráfico de dentes onças dos parques naturais da Bolívia para a China provocou preocupações de que contrabandistas asiáticos estão impulsionando este comércio ilegal.
Entre 2014 e 2016, 800 dentes jaguar foram apreendidos por autoridades bolivianas, sugerindo que cerca de 200 animais foram mortos, informou o Fórum Boliviano sobre Meio Ambiente Fórum Boliviano (Foro Boliviano Sobre Medio Ambiente – FOBOMADE). Os dentes foram supostamente destinados a serem contrabandeados para a China.
FOBOMADE relata que o número atual de onças mortas ameaça chegar a níveis comparáveis aos anos de 1980, quando a caça ainda era legal. (…)
Em maio de 2016, um cidadão chinês supostamente comprou um anúncio em rádio no município de Rurrenabaque – perto Madidi -, em que ele se ofereceu para comprar dentes de onça por 100 dólares cada. Mais tarde ele foi preso e seis dentes foram apreendidos. Outro cidadão chinês em Rurrenabaque foi encontrado com 300 dentes de onça em 2014, embora ele não está atualmente atrás das grades.
(…) O tráfico de onças na Bolívia pode ser uma evidência de que o crime organizado chinês está se espalhando ainda mais seus tentáculos com o tráfico de animais selvagens na América Latina. É certo que a demanda chinesa por comida exótica e outros bens é uma força motriz por trás do que é hoje uma das maiores economias criminosas do mundo. Dentes de onças são de grande valor na medicina tradicional asiática. Vários países latino-americanos alimentam o mercado negro chinês, incluindo México, Peru e Equador, com as suas ofertas de produtos do mar proibidos.
Além do mais, há sinais de que a presença de máfias chinesas está crescendo na região. Autoridades da Bolívia e de outros países sul-americanos detectaram redes de tráfico de humanos chineses. E como os laços econômicos e políticos entre China e América Latina se aprofundando, é possível que os grupos criminosos chineses na região vão reforçar laços com sua terra natal.”
As autoridades bolivianas estão investigando se traficantes brasileiros e peruanos estão trabalhando com os chineses.
Ligando os pontos
China já é o maior parceiro econômico do Brasil e as empresas desse país asiático estão investindo pesado em obras de infraestrutura na Amazônia. Não é loucura imaginar que esse contato e a já identificada atuação de traficantes de animais chineses na vizinha Bolívia possam (se já não estão) incentivar o início das atividades dessas quadrilhas em território brasileiro. E para piorar é sabido que esses o tráfico de fauna na China é bem organizado e tem muito dinheiro.
Os setores de inteligência da Polícia Federal, das Forças Armadas e do Ibama têm de estar atentos e atuantes. E a sociedade, com destaque aos ambientalistas, tem de cobrar ação do poder público. O caso de Curionópolis pode ser a ponta de uma investigação que tem potencial revelador. Que a atuação do Ministério do Meio Ambiente, por meio de seu responsável, José Sarney Filho, não fique restrita à nota divulgada em 2 de setembro:
"Estou chocado com as imagens, divulgadas hoje, daquela que foi considerada pelo Ibama como a maior quantidade de grandes felinos caçados já encontrada em uma operação, desde a criação do Instituto. O tráfico de animais silvestres é um crime que atinge a cada um de nós, pois fere nosso direito a um meio ambiente equilibrado. O perigo de extinção da onça pintada aponta, de forma dramática, para a necessidade urgente de aumentarmos, em quantidade e qualidade, a proteção de nossa biodiversidade. O Ministério do Meio Ambiente entende que essa proteção passa, necessariamente, pelo fortalecimento da estrutura de fiscalização do Ibama e do ICMbio, e pela conscientização, através da educação ambiental. Trabalhamos nesse sentido, de forma prática e objetiva, mas guiados pela convicção de que homem, planta e bicho são irmanados na natureza."
– Releia o post do Fauna News “Horror! Seis cabeças de onças em freezer no Pará”, de 29 de agosto de 2016
– Releia o post do Fauna News “Perícia trabalha no caso das cabeças de onças do Pará. Pelo menos 19 foram mortas”, de 31 de agosto de 2016
– Leia “Chinese Smugglers Driving Up Jaguar Killings in Bolivia”, de 26 de agosto de 2016 pelo site da fundação Insight Crime
– Leia a nota do ministro do Meio Ambiente no site do ICMBio