Por Daniel Nogueira
Biólogo, especialista em Ecoturismo e analista ambiental do Ibama. É o responsável pelo Centro de Triagem de Animais Silvestre (Cetas) do Ibama localizado em Lorena
universocetras@faunanews.com.br
Na nossa conversa anterior nesta coluna, publicada em 2 de setembro de 2020 (“A importância da marcação nos centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres”), dialogamos sobre a importância da marcação dos animais dentro do manejo interno dos centros de triagem e de reabilitação (Cetras).
Contudo, foi proposta uma continuidade da reflexão, que se relaciona ao pós-Cetras, ou seja, o contexto da marcação após a destinação. Esse é um ótimo exemplo de como as ações dos centros podem influenciar no destino dos animais após passarem por seu manejo.
Já sabemos que a destinação dos animais atendidos pelos centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres pode, basicamente, ser para o cativeiro (criadouros, zoológicos, etc.) ou, quando reunirem condições, preferencialmente para a devolução à natureza.
Para a destinação ao cativeiro, os mesmos conceitos de marcação de manejo se mantêm. Permanece a necessidade de se marcar ou registrar a individualidade de cada animal em criadouros ou zoológicos, já que eles compõem seus planteis ou estoques. Dessa forma, as mesmas técnicas, materiais e equipamentos comentados no artigo anterior podem ser utilizados.
As anilhas em geral são utilizadas para as aves. Para os mamíferos, brincos, tatuagem e microchips. Para os répteis, os microchips ou outro tipo de marcação por marca, tinta, etc. Tudo que seja útil para distinguir um indivíduo do seu grupo contido em espaço restrito.
No entanto, para a devolução á natureza, a marcação toma sentido bem diferente, já que não estamos mais precisando dela para individualizar um determinado animal dentro de um grupo restrito. Lá na área ou ambiente de soltura, não estamos mais considerando um animal dentre um plantel limitado numérica e espacialmente em cativeiro de indivíduos de mesma espécie. Além de outros indivíduos que foram libertados no mesmo evento de soltura, teremos também os animais que já estavam em vida livre compondo as populações naturais pré-existentes. Também não temos (e isso é muito bom), a restrição mais característica do cativeiro, que contém fisicamente o animal em um espaço restrito. Nesse caso, a marcação ganha uma função bem diferente. Quando visível, manifestável, perceptível, a marcação pode nos contar histórias muito interessantes e importantes, basta estarmos preparados e/ou dispostos a ler, perceber e interpretar essas informações.
Vamos lá para uma situação prática. Abaixo, podemos ver a imagem de alguns canários-da-terra (Sicalis flaveola) fotografados forrageando (explorando o alimento) em uma área de soltura no Vale do Paraíba paulista.
A imagem pode nos contar algumas coisas, vamos a algumas delas:
Podemos começar pela simples constatação de animais em vida livre se alimentado. Mas também é possível perceber que dentre os três passarinhos há uma fêmea marcada com uma anilha. Se eu sei que as atividades de soltura naquele local usa esse material como marcação, então temos uma informação importante: uma ave solta já está explorando o ambiente e se alimentando na natureza.
Mas a sequência de simples revelações não param por aí. Espero que seja possível perceber na foto que a anilha de marcação na pequena ave é azul. Embora não seja possível verificar a numeração impressa nela, a cor pode conter dados importantes, pois podemos ter usado um lote de anilhas azuis em aves soltas em evento de soltura no semestre anterior (se além do material, for usada essa estratégia em alternar as cores das marcações). Então, por esta única foto, advinda do esforço de monitoramento pós-soltura e pela simples utilização de anilhas de cores diferentes, sabemos que essa ave está viva, aparentemente saudável, forrageando com outros de mesma espécie durante os últimos seis meses após a soltura.
Não importa saber qual é exatamente essa fêmea de canário dentro do contexto anterior do grupo ou plantel de Cetras. A marcação, nesse caso, passa a ter outra função: a de poder contar outra história, desde que tenhamos condições de poder ver ou monitorar esses animais.
E se o esforço de monitoramento se estender para além dessa foto, e com certeza foi, a história dessa pequena ave pode ser apresentada em muitos outros capítulos.
A marcação, contudo, pode ter outra função após a destinação para soltura. Caso sejam encontrados em óbito, ou em situação de recaptura, a marcação poderá ser muito útil para o rastreio desses animais desde a soltura até o local e o momento onde e quando ele pôde ser visualizado em óbito ou recapturado. Dois casos desses já foram mencionados nesta coluna, no artigo “Dois casos atendidos por centros de triagem e reflexões sobre o cativeiro”, publicado em 3 de junho de 2020, quando contamos a história de duas aves soltas e recapturadas. A marcação, naqueles casos foi imprescindível para que suas histórias pudessem ser contadas.
Em resumo, é importante ressaltar que as marcações úteis para soltura são aquelas que se formam em adendos corpóreos visuais materiais (anilhas coloridas ou não, brincos ou outros materiais que trazem ao seu portador algo que o distinga de outros animais de vida livre). Também podem ser emissores de sinais de rádio perceptíveis por equipamentos, como os rádio-colares ou microchips.
Mas uma marcação para soltura também pode ser uma simples marcação visual e temporária, como a utilizada em aves com tintas atóxicas, como pode ser observada na imagem.
As marcações usadas para soltura, finalmente, podem ser baratas, itens de baixa tecnologia ou construídas com itens de grande tecnologia e de custo alto. Mas a situação mais importante é haver a união entre a marcação e o monitoramento pós-soltura. Os animais marcados e soltos podem nos contar muitas coisas. Basta, contudo, nos prepararmos para ouvir e registrar essa importante história.
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