Por Tatiane Bressan Moreira¹ e Paula Ribeiro Prist²
¹Bióloga e veterinária com especialização em Clínica Médica e Cirúrgica de Animais Selvagens. É coordenadora dos programas de proteção à fauna da Rumo Logística.. Integra a REET Brasil
²Bióloga com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Ecologia de Paisagem pela Universidade de São Paulo. É sócia-diretora da ViaFauna Estudos Ambientais e pesquisadora sênior da EcoHealth Alliance. Integra a REET Brasil
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O modal ferroviário demonstra alta eficiência no transporte de cargas devido, principalmente, a sua maior eficiência energética, além de contribuir com os esforços globais para conter a emissão de gases do efeito estufa. Porém, apesar de as ferrovias apresentarem ótimo custo-benefício em relação a outros modais de transporte (como rodoviário e aéreo), elas também têm o potencial de causar impactos negativos à fauna silvestre, como a perda de habitat, o efeito barreira causado pela instalação do empreendimento e, principalmente, os atropelamentos em função do tráfego de trens, que ocasionam a morte, muitas vezes expressiva, de animais silvestres.
Mas como mitigar o risco de atropelamento da fauna em uma ferrovia ainda em fase de projeto?
Atualmente, pesquisadores têm utilizado uma série de metodologias para tentar prever esse impacto, alguns antes mesmo da própria construção da ferrovia, e tentar evitar tais consequências. Dentre essas metodologias estão as chamadas “análises preditivas”. Análises preditivas são funções matemáticas aplicadas a um grande conjunto de dados e que permitem a identificação de padrões gerais que mostram tendências futuras.
A capacidade de prever como um sistema pode se comportar no futuro é uma característica chave de qualquer Ciência e algumas áreas, como a engenharia, a climatologia e a economia, fazem análises preditivas que são utilizadas de forma rotineira, até mesmo quando elas apresentam algum grau de imprecisão. Na Ecologia, esses modelos estão sendo usados há relativamente pouco tempo, mas sua aplicabilidade é imensa, especialmente no contexto de criar uma compreensão da forma como os sistemas biológicos podem responder às mudanças ambientais.
Para sistemas viários, essas análises podem permitir a projeção do número, das espécies e dos locais onde animais poderão ser atropelados, sendo possível ainda classificar cada área de risco em diferentes categorias como: muito baixa, baixa, média, alta e muito alta.
Na prática, isso significa que mesmo na fase de concepção de um projeto ferroviário ou rodoviário, já é possível indicar com certa assertividade quais são os melhores locais para instalação das passagens de fauna (superiores e inferiores) e do cercamento (para barrar a entrada de animais na via e direcioná-los para as passagens seguras), evitando assim um impacto causado e tendo um custo muito menor, uma vez que essas estruturas já nascem com a concepção do projeto da nova via. Portanto, não há necessidade de aguardar os resultados de anos de monitoramentos de atropelamentos na fase de operação da via para determinação dos “hotspots” ou “zonas críticas de fatalidades”, evitando-se assim um acúmulo de fatalidades.
O primeiro modelo preditivo aplicado para ferrovias brasileiras se deu no ano de 2021, em um novo projeto ferroviário a ser instalado no estado de Mato Grosso, que ligará a cidade de Rondonópolis a Cuiabá e a Lucas do Rio Verde. Esse modelo utilizou como base o banco de dados de uma ferrovia com traçado e paisagem semelhante, a Malha Norte, que liga Aparecida do Taboado (MS) a Rondonópolis (MT). O banco de dados, com informações coletadas pela concessionária do referido trecho, continha dados de atropelamentos de 2013 a 2017.
A análise preditiva foi realizada buscando-se averiguar o risco de atropelamento de fauna em função de características da estrutura da paisagem, como quantidade de vegetação nativa no entorno da ferrovia, presença e distância de corpos d´água, dentre outras. As informações foram obtidas através do mapeamento do Mapbiomas versão 5. Foi gerada então uma análise para a fauna silvestre em geral e análises para espécies específicas (anta e queixada), as quais são ameaçadas de extinção e cujo atropelamento na região é comum e pode representar sérias perdas populacionais.
Como resultado da análise de predição, foi obtido o modelo abaixo, o qual mostra as áreas com alta probabilidade de atropelamento para a ferrovia que será construída. Com esse modelo, medidas de mitigação podem ser previamente implementadas, reduzindo as chances de fatalidades nesses trechos. Ainda, caso ocorra alguma mudança brusca na paisagem entre a criação do modelo e a construção da ferrovia, novas predições podem ser feitas levando essa dinâmica em consideração.
A soma dos resultados desse modelo à análise da paisagem da área afetada pelo empreendimento gera subsídios que auxiliam na tomada de decisão e, consequentemente, na conservação da vida silvestre.
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