Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Comércio objetiva o lucro. O livre comércio e o acúmulo de capital são bases do capitalismo. O Brasil é um país capitalista e, nesse sentido, tanto o comércio quanto o acúmulo de capital são atividades lícitas.
O comércio de animais silvestres também é permitido no Brasil desde que se obedeça a algumas leis e normas: a Lei nº 5.197/1967, a Lei nº 9.605/1998, o Decreto nº 6.514/2008, a Portaria do Ibama nº 93/1998, a Resolução Conama nº 489/2018, entre outras que regulamentam questões específicas.
O início do regramento dessa atividade econômica ocorre com a Lei nº 5.197/1967, que institui a possibilidade da “construção de criadouros destinados à criação de animais silvestres para fins econômicos e industriais.” Na mesma lei se institui a necessidade de registro de quem comercializa fauna silvestre e, ainda, determina que “é proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha”, excetuando -se “os espécimes provenientes legalizados.” O legislador, provavelmente, objetivou ofertar à população a possibilidade de adquirir animais com origem legal, ou seja, proveniente de criadouros registrados.
De 1967 para o presente, centenas de criadouros comerciais se instalaram e vendem desde couro e carne de jacarés até papagaios e tartaruguinhas como animais de estimação. É uma atividade comercial que reproduz os animais e os vende para compradores. No processo, objetivam minimizar os custos e maximizar os lucros como qualquer outra atividade comercial. Por custos entenda -se as instalações, a questão de assistência veterinária, a alimentação, a energia elétrica, a água, os espécimes que não mais geram filhotes mas ainda consomem espaço e alimento, os funcionários, os tratadores, etc. Todas essas questões entram no custo de produção. Portanto, NUNCA os animais oriundos de uma criação registrada possuirão preços compatíveis ou competitivos com os do tráfico de animais silvestres.
No tráfico, os animais são retirados da natureza e seu preço se determina basicamente pelo esforço de captura, transporte e risco de flagrante. Temos, no Brasil, uma boa dimensão de como o tráfico persiste mesmo ante à disponibilidade de produtos registrados quando nos lembramos do comércio de CDs e DVDs piratas. O comercio de CDs e DVDs legalizados não evitou ou combateu o comércio irregular. Na lógica do mercado, o preço mais baixo permitiu a existência e crescimento do comércio ilegal. Aliás, a existência e propaganda dos DVDs originais até incentivaram as vendas dos ilegais. As pessoas os viam, desejavam, mas preferiam adquirir o mais barato.
Essa lógica de mercado não é diferente no tráfico de animais silvestres. Propagandas de pessoas com serpentes, papagaios, araras e macacos incentivam que outras queiram os animais. Todavia, nem todos estão dispostos a pagar alguns três mil ou mais reais em um papagaio, preferindo comprá-lo por poucas centenas de reais (o traficado). Observe que sob esse aspecto, a criação comercial não evitou ou reduziu o tráfico, mas serviu de propaganda e incentivo a ele.
É, ainda, elucidador observar que embora a atividade de criação esteja autorizada desde 1967, ou seja, há cerca de 50 anos, as espécies mais criadas legalmente coincidem com as mais traficadas. Dessa forma, a criação autorizada não contribuiu para reduzir a pressão sobre as espécies mais traficadas. Os pássaros mais traficados são os trinca-ferros, curiós, canários e coleiros e os mais traficados, também. Os répteis mais traficados são jiboias, jabutis e tartaruguinhas, coincidindo com os mais traficados.
Assim, é importante sinceridade: a criação comercial objetiva o lucro para quem a pratica e isto é permitido na legislação nacional. Já a afirmação de que a criação comercial autorizada contribui para o combate ao tráfico de animais silvestres, isso é apenas uma forma de marketing ou para que o criador aplaque sua consciência no comércio de animais silvestres. Dizer que criação comercial combate o tráfico ou mesmo ajuda a combatê-lo é uma história simpática, mas se limita a isso: a apenas uma história.
Então, a venda de animais silvestres no Brasil é uma atividade comercial e, como todas as demais, objetiva o lucro para quem pratica a atividade. Conservação se faz de outra forma.
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