Médica veterinária e mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Atua desde 2010 na Divisão da Fauna Silvestre da cidade de São Paulo, sendo responsável pelo setor de recebimento de animais oriundos do tráfico. Tem experiência nas áreas de patologia animal, clínica de aves e répteis e reabilitação. É docente do curso de bacharelado em medicina veterinária do Centro Universitário Anchieta desde 2023.
Monitorar significa vigiar, verificar (algo), rastrear, medir e ou analisar. Palavra pequena, porém com grande significado quando falamos em soltura de animais silvestres.
A realização de solturas, com o intuito de repovoar determinada área com a reintrodução de novos indivíduos, é algo que deve ser realizado com critérios biológicos e sanitários. Deve-se garantir não somente a soltura de indivíduos hígidos (saudáveis), como também animais que sejam naturais daquele ambiente.
Com isso, tentamos assegurar sua adaptação ao clima e aos alimentos disponíveis na região, a existência de parceiros sexuais para viabilizar a reprodução e, sob o ponto de vista ambiental, garantir que os indivíduos soltos contribuam com serviços ecossistêmicos.
Para toda soltura, é de extrema importância a realização de monitoramento, medindo seu sucesso ou não, apontando falhas e acertos que repercutirão em uma melhor destinação dos animais recebidos nos centros de triagem e reabilitação de animais silvestres (Cetras).
No Centro de Manejo e Conservação de Animais Silvestres (Cemacas) da prefeitura de São Paulo (SP), são realizadas aproximadamente 3.300 solturas por ano, contemplando áreas do interior e da capital paulistas. Na cidade de São Paulo, os animais são soltos em parques e áreas verdes, sendo a região de Parelheiros uma das mais utilizadas para as solturas. Ela compreende a área com maior cobertura vegetal do município, contendo, aproximadamente, 300 km².
Soltura de corujas em área verde da cidade de São Paulo – Vídeo: Alice Soares de Oliveira
Dentre os parques municipais mais utilizados, podemos citar o Refúgio de Vida Silvestre (RVS) Anhanguera, o Parque do Carmo, o Parque Jaceguava, o Parque Ibirapuera, o Parque Cidade de Toronto e o Parque Linear Córrego do Bispo. O animal mais devolvido para vida livre em 2023 foi o gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita), com 1.082 solturas, sendo também o mais recebido naquele ano (2.694 espécimes). Os passeriformes também não ficam atrás, sendo o sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris), o bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), o coleirinho (Sporophila caerulescens) e o pixarro (Saltator similis) os representantes de maior destaque, contabilizando aproximadamente 1.370 animais recebidos e 1.000 solturas realizadas.
Felizmente, contamos com o monitoramento realizado por parceiros nas áreas de soltura. São frequentes os relatados de encontros de animais anilhados e registros em máquinas fotográficas, muitas vezes realizados pelos observadores de aves!
Outros animais também são monitorados por pesquisadores e biólogos das próprias áreas de soltura. Um lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), por exemplo, recebeu um rádio-colar em 29 de fevereiro para futuro acompanhamento quando solto.
O monitoramento realizado pela Divisão de Fauna Silvestre (DFS) da prefeitura de São Paulo teve início em 2005 e já foi feito em várias áreas da cidade, sendo capturados 3.325 indivíduos de 136 espécies em redes de neblina (uma rede bem fininha para a captura de aves e morcegos, por exemplo). Se destacam o sabiá-una (Turdus flavipes), ave migratória; o tangará (Chiroxiphia caudata), espécie endêmica da Mata Atlântica, e o cabecinha-castanha (Thlypopsis pyrrhocoma), também endêmica da Mata Atlântica e quase ameaçada de extinção no estado de São Paulo. Atualmente, o monitoramento é realizado no RVS Anhanguera, no Parque do Ibirapuera e na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sítio Curucutu.
Dos animais monitorados, pelo menos 11 tinham sido soltos, o que permitiu acompanhar a evolução deles em vida livre.
Tivemos alguns casos de animais que, depois de soltos, caíram na rede mais de uma vez, prolongando seu acompanhamento pós-soltura. Houve até o monitoramento de aves que, após serem soltas, atraíram outras da mesma espécie, como o pixarro (Saltator similis) no Parque do Ibirapuera. Antes da soltura em 2016, esses animais nunca tinham sido capturados e monitorados e passaram a ser, sendo sua última recuperação em rede no ano de 2020. Desses animais soltos, foi observado ninho e filhotes, resultando na captura de um pixarro jovem em 2017.
Os dados que levantamos dos animais nas redes são espécie, presença de anilha PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo – (indicativa de que o animal foi solto pela DFS), determinação do sexo (pela plumagem e intumescimento cloacal), biometragem, verificação de muda de penas, determinação da idade, colheita de ectoparasitos para identificação, marcação individual (anilhamento) e condição reprodutiva (visualização da placa de choco).
Esses parâmetros, além de indicar quais espécies estão ocorrendo naquele ambiente, indicam também sua riqueza, pela diversidade de espécies capturadas e quantidade de indivíduos. A placa de choco, por exemplo, é um bom indicativo ambiental de como estão as aves no período reprodutivo: animal em bom estado geral, tendo boa oferta de alimento e condições ambientais para sua sobrevivência, irão se reproduzir!
Já foram colhidos materiais biológicos desses animais das redes, como fezes e sangue. O monitoramento realizado de 2011 a 2014 compreendeu a amostragem de 506 aves. Dessas, foram selecionadas 23 espécies pertencentes às ordens passeriformes, piciformes e columbiformes que nos geraram dados relevantes, como o estabelecimento de padrões de células sanguíneas para essas espécies.
Ter muitas informações sobre a fauna silvestre, como quais espécies estão ocorrendo e de que forma estão usando aquele ambiente, vai orientar não somente as solturas, mas guiar políticas públicas em prol da conservação de nossas áreas verdes.
Ressaltamos, assim, a importância do monitoramento pós-soltura, mesmo sabendo da dificuldade de acompanhar todos os animais e em todas as áreas. Com o estabelecimento de parcerias e engajamento da sociedade em projetos de ciência cidadã, que leva ao compartilhamento de dados de fauna, podemos melhorar e aumentar nossas redes de monitoramento e, quem sabe, estreitar seus laços com as solturas.
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
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Médica veterinária e mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). Atua desde 2010 na Divisão da Fauna Silvestre da cidade de São Paulo, sendo responsável pelo setor de recebimento de animais oriundos do tráfico. Tem experiência nas áreas de patologia animal, clínica de aves e répteis e reabilitação. É docente do curso de […]
