Engenheiro agrônomo e mestre em Sistemas Costeiros e Oceânicos. É coordenador geral do Programa Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar) da Associação MarBrasil e professor na pós-graduação em Biologia Marinha pela Universidade Espírita (PR)
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A fauna bentônica marinha compreende todos os organismos associados aos habitat de fundo, junto ao substrato, seja ele consolidado (rochas) ou inconsolidado (areia ou lama). Alguns animais podem viver sobre o fundo (epifauna) ou dentro do mesmo (infauna). Os organismos podem também ser classificados de acordo com seu tamanho. Macrobentos refere-se a organismos maiores que 0,5 mm ou 1 mm (aqueles de maiores proporções podem ser chamados de megafauna). Meiobentos pode ser aplicado aos organismos entre 0,5 e 0,062 mm e aqueles menores que esse limite, são chamados de microbentos.
Em termos de quantidade, os organismos da infauna dominam os fundos costeiros, pois a maior parte desta zona é composta por areia ou lama. Há predomínio de animais comedores de depósitos, que ingerem os detritos e a “chuva” de nutrientes da coluna d’água acima, ou de animais comedores de suspensão, que filtram a água e consomem o plâncton e os detritos flutuantes. Há ainda grande número de predadores como crustáceos, moluscos e vermes. Nas áreas rochosas. soma-se à epifauna as algas macroscópicas. Essa rede trófica complexa promove a ciclagem de nutrientes com alta produção primária e secundária e sustenta uma variedade de outros organismos importantes e ameaçados de extinção, como as tartarugas, raias, meros e tubarões.
Os ecossistemas de manguezais, praias arenosas e costões rochosos são encontrados no limite entre o continente e o oceano. Possuem características bastante particulares, relacionadas ao movimento diário de subida e descida das marés. Assim, as espécies que ali habitam devem estar adaptadas a esse cenário, ora submerso, ora exposto ao ar. Dentre estes ecossistemas, os manguezais possuem uma importância singular por estarem envolvidos no ciclo de vida de muitas espécies chave, inclusive várias ameaçadas de extinção.
Em direção ao oceano, a região costeira é representada por grandes áreas de fundo arenoso, sendo mais rara a ocorrência de ilhas e fundos rochosos. Entretanto, essas áreas de fundos consolidados concentram uma rica diversidade de espécies em seu entorno, ganhando um enorme valor para a conservação.
Os manguezais cobrem uma área estimada de cerca de 9.600 km² no Brasil, o que representa a segunda maior área de manguezais do mundo. No Sul e Sudeste do país, observam-se essas formações nas margens de toda a região estuarina, com grandes extensões ainda em bom estado de conservação, embora em vários trechos encontrem-se degradados ou suprimidos. São áreas de baixo declive onde se desenvolve uma vegetação muito característica, adaptada ao solo lamoso, encharcado e salino.
Outro serviço fundamental está relacionado com a grande biodiversidade que os manguezais mantêm. Apesar de poucas espécies de árvores, no solo e entre os caules e raízes se encontra uma rica biota. Bactérias e fungos são extremamente abundantes e junto com o bosque fixam quantidades expressivas de carbono. Existem muitos pequenos organismos no sedimento, como os nematoides, poliquetos e oligoquetos, que ocorrem em maior abundância nos primeiros centímetros do sedimento, embora a biomassa total da infauna dos manguezais não seja especialmente elevada. Moluscos bivalves como berbigões e bacucus também ocorrem enterrados na lama.
As praias arenosas, sejam estuarinas ou oceânicas, podem ser definidas como áreas de acúmulo de sedimentos depositados e retrabalhados pelas ondas, distribuídos desde o limite superior do espraiamento da onda, estendendo-se por toda a zona entremarés, até além da área de arrebentação das ondas. Assim, as principais forças físicas que caracterizam essas regiões são a movimentação das ondas e a movimentação dos sedimentos. Os organismos bentônicos das praias devem estar adaptados a estas condições, e, portanto, podem diferir bastante entre os tipos de praias, de acordo com o tipo de ondas, a declividade e o tamanho dos grãos de sedimento. A declividade condiciona a largura da zona entremarés e a largura da zona de arrebentação, causando também um zoneamento da biota.
As bactérias, microalgas, protozoários flagelados e ciliados compõe a microbiota de praias arenosas. A fauna bentônica pode ocorrer sobre (epifauna) ou dentro do sedimento (infauna), sendo essa última normalmente mais abundante. A meiofauna é composta por vários grupos animais tais como Nematoda, Gastrotricha, Copepoda, Ostracoda, Polychaeta e Tardigrada. A macrofauna pode conter representantes dos grupos Cnidaria, Polychaeta, Mollusca, Echinodermata e Crustacea, entre outros. São comuns as bolachas de praia na zona de arrebentação, os isópodos no entremarés e anfípodos no supralitoral. São bastante características da zona de espraiamento, as tatuíras e os corruptos. Siris e caranguejos no supralitoral e no sublitoral completam os exemplos dos bentos mais representativos das praias arenosas.
Os substratos consolidados emersos ou da zona entremarés são, com frequência, recobertos totalmente pelos organismos marinhos, ao menos nas suas porções mais próximas da linha de maré baixa, junto ao infralitoral. Os organismos marinhos começam a ficar mais raros na parte alta das rochas, o supralitoral, que recebe apenas o spray das ondas. Isso evidencia uma das características mais marcantes dos costões rochosos entremarés, a zonação da biota, ou seja, a ocupação diferenciada do substrato de acordo com a altura em relação ao nível do mar, formando faixas com dominância de diferentes organismos.
Essas faixas se formam de acordo com as adaptações que diferentes organismos possuem contra a dessecação, insolação e batimento de ondas. De um modo geral, no supralitoral ocorrem algumas espécies de gastrópodos que se concentram nas fendas mais úmidas. No mediolitoral superior as cracas dominam, sendo substituídas por ostras e outras espécies mais abaixo. Nos estuários os mexilhões formam faixas bastante densas.
No mediolitoral inferior dos costões marinhos as cracas são características, enquanto outras espécies são mais comuns no interior dos estuários. Em todo o mediolitoral, os gastrópodes são também observados mantendo áreas de rocha ‘nua’ onde raspam o biofilme. A franja infralitoral, zona limite do entremarés, é caracterizada pelas cracas, mexilhões e uma variedade de macroalgas e poliquetas.
Entre esses organismos mais importantes na ocupação do espaço, aproveitando-se da umidade acumulada nas frestas e sedimentos retidos, ocorre uma rica fauna de pequenos animais.
No Sul e Sudeste do Brasil, a planície litorânea é predominantemente constituída por fundos arenosos e lodosos devido ao aporte de sedimentos tanto de origem marinha quanto continental. De modo geral, o sedimento tende a ser mais arenoso em mar aberto e mais fino dentro dos estuários. Além de um gradiente de profundidade que influencia a composição de espécies do bentos nestes sedimentos, existe um forte gradiente de salinidade nos estuários, o que acarreta uma estruturação das comunidades bentônicas bem evidente. Nos estuários, a macrofauna é dominada por poliquetos, bivalves, gastrópodos entre outros, com diferentes espécies dominando cada setor.
Em mar aberto, os fundos arenosos costeiros são ocupados por siris e caranguejos, bolachas-do-mar, estrelas-do-mar e na infauna, novamente muitos poliquetos e moluscos bivalves, além de uma rica meiofauna.
Os fundos rochosos submersos da costa sul e sudeste concentram uma biodiversidade impressionante. Ocorrem especialmente ao redor das ilhas dentro e fora dos estuários, como rampas rochosas ou acumulados de blocos e seixos submersos. Recifes de arenito são também formações importantes com elevada ocupação pela biota na plataforma continental, porém muito menos conhecidos. Trapiches, pilares de atracadouros, rampas de marinas e boias também funcionam como substratos consolidados para os organismos marinhos. Da mesma forma, os recifes artificiais, de concreto ou naufrágios, simulam a estrutura dos recifes naturais e congregam uma grande variedade de espécies.
Quase todos estes ambientes de substratos consolidados ocorrem no Sul e Sudeste do país até a profundidade de 30 metros e a biota pode diferir bastante nesse gradiente de profundidade e conforme a inclinação e exposição às correntes dos substratos.
Por estarem submersos, esses ambientes não oferecem limitações relacionadas à dessecação ou exposição ao ar, como nos costões entremarés. Assim, o espaço disponível para fixação é normalmente considerado o principal fator físico controlador da biota e dominam esses substratos as espécies sésseis de rápido crescimento. São algas macroscópicas e animais coloniais ou modulares que se espalham assexuadamente sobre as rochas deixando pouco substrato primário aberto.
A heterogeneidade dos substratos, com relevos, projeções, fendas, acúmulo de sedimentos e a própria biota, cria micro hábitats que são ocupados por numerosas espécies vágeis de todos os níveis tróficos e grupos taxonômicos. Nas superfícies verticais e negativas observa-se muitas esponjas, ascídias, hidrozoários e o octocorais. Os ouriços- do-mar, estrelas-do-mar, pepino-do-mar e lírios-do-mar também chamam a atenção sobre ou entre as rochas. Com frequência, grupos de ouriços mantém manchas de rocha nua devido a sua ação raspadora.
Em profundidades maiores diminuem as algas e alguns outros invertebrados passam a ser mais frequentes. Os zoantídeos, hidrozoários e gorgônias se destacam. As gorgônias são frequentemente observadas associadas a bivalves. Os hidrozoários, briozoários e esponjas formam comunidades bem desenvolvidas nos recifes de arenito a partir dos 20m de profundidade. Uma grande lista de grupos animais compõe a chamada fauna críptica, aquela que ocorre associada a essas espécies coloniais e sésseis, mas que normalmente não são observadas devido ao tamanho e hábito. Os anfípodos, tanaidáceos, camarões, caranguejos, ermitões, poliquetos, ofiúros, bivalves e gastrópodos com essas características são extremamente abundantes. Os pequenos peixes blenídeos e gobídeos também ocorrem em grande número.
Toda essa biodiversidade integra uma complexa teia trófica que sustenta muitas das espécies bandeiras da região. É justamente associado ao ecossistema recifal (recifes rochosos naturais ou artificiais) que ocorrem espécies de maior apelo conservacionista como as tartarugas, raias, tubarões e o mero, que ali encontram abrigo, alimento ou condições propícias para a reprodução. Dessa forma, a conservação destas espécies não pode ser considerada sem englobar a proteção aos ecossistemas onde ocorrem e a conectividade entre eles.
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