A enorme evolução do tráfico de animais no Brasil

É de comum consenso entre as pessoas e instituições que acompanham o tráfico de animais silvestres no Brasil que essa modalidade criminosa mudou muito nas últimas décadas. E a pergunta necessária é: por que essa mudança está ocorrendo?

Bem, tenho quase 20 anos de Polícia Rodoviária Federal (PRF) e exatamente o mesmo tempo no combate ao tráfico de animais. E a primeira coisa que é possível perceber é que o valor da “mercadoria”, dos animais silvestres traficados, se elevou demais. Há 20 anos, os animais eram comercializados por valores mínimos. Lembro que fiz uma relação de valores nos anos 2.000 e uma ave canora, como canário, trinca-ferro, bicudo ou curió custava nas feiras ilegais na Região Metropolitana de São Paulo o equivalente a um pastel de feira.

Como era uma mercadoria de baixo valor, essa estrutura criminosa não se preocupava com as perdas e utilizava os meios logísticos mais baratos para garantir um lucro interessante. Assim, o tráfico de animais nas rodovias era realizado por caminhões, que eram aproveitados por causa de sua rota logística, e por ônibus, principalmente clandestinos, visto que o transporte de carga em ônibus já estava incluso no preço da passagem.

Porém, o enfrentamento crescente a esta atividade criminosa e a escassez cada vez maior de animais silvestres na natureza fizeram com que essa “mercadoria” tivesse seu valor aumentado ano após ano. Atualmente, uma ave canora ilegal não tem mais o valor de um pastel em feiras ilegais das grandes cidades brasileiras. Na verdade, ela pode alcançar valores que restringe a aquisição a uma pequena parcela da população.

Novas características do tráfico de fauna

Com essa valorização dos animais ilegais, o sistema logistico utilizado pelos traficantes também mudou para garantir a redução das perdas, tanto por apreensões pelos órgãos de fiscalização como pela baixa eficiência do transporte. A PRF percebeu que a utilização de caminhões e ônibus no tráfico de fauna foi dando espaço para automóveis de passeio. Outro modal também passou a ser utilizado: o aeroportuário, já que aviões também passaram a ser usados para o comércio ilegal nacional.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), em seu artigo 72 (“As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções (…) IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração”) permitia a apreensão e perdimento do veículo utilizado para a ação de tráfico de animais. Em um segundo momento, os traficantes, para reduzir a perda de veículos próprios e dificultar o monitoramento pelas instituições de fiscalização, começaram a utilizar veículos alugados e aplicativos de transporte, que estão disseminados por todo país. É uma modalidade de transporte mais custosa, porém mais segura, rápida e com menor risco de policiais e agentes do poder público chegarem ao traficante.

Outra situação percebida nesses 20 anos é que com o aumento do valor dos animais ilícitos e, consequentemente, o aumento do lucro dessa atividade criminosa, esse mercado está mudando de mãos. O tráfico de fauna está saindo das mãos de pessoas simples, com baixo nível intelectual, para as de pessoas com maior capacidade de investimento e especializados, como biólogos, veterinários, advogados entre outros. Ou seja, a atividade está ficando interessante e lucrativa e assim trazendo players com maior “profissionalismo”

Com o advento da internet, redes sociais, market places e dos smartphones, a comercialização ilegal também evoluiu e as famosas “feiras dos rolos” estão sendo substituídas pelas feiras clandestinas virtuais. Nesse novo mercado, o traficante consegue alcançar milhões de pessoas e se esconder da fiscalização com maior efetividade. Os órgãos de repressão precisam agora trabalhar no mundo virtual, onde ocorre grande parte da atividade criminosa.

O que os órgãos de fiscalização têm de compreender é que o tráfico de animais silvestres no Brasil mudou totalmente nas últimas décadas. O perfil dos traficantes mudou, o sistema logístico mudou e a forma de comercializar não é mais a mesma. A principal compreensão necessária é que certamente a mudança continuará e esse crime permanecerá evoluindo para evitar a fiscalização e alcançar clientes cada vez mais elitizados.

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