
Por Bruna Almeida
Bióloga e coordenadora do Projeto Reabilitação de Fauna Silvestre e das atividades de educação ambiental no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO)
universocetras@faunanews.com.br
Algumas décadas atrás, a criação de animais silvestres em residências e em propriedades rurais era uma prática muito comum, tornando papagaios, periquitos, araras, onças, macacos entre outras espécies conhecidos como pets. Entretanto, com a degradação dos habitat naturais e a consequente perda de biodiversidade, além da crescente comercialização ilegal da fauna, após a sanção da Lei 9.605 no ano de 1998, tornou-se crime ambiental a posse de animais silvestres sem a devida autorização dos órgãos de gestão ambiental (na época, o Ibama).
O artigo 29 determina que “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida” deve ser punido com detenção de seis meses a um ano e multa. Logo no parágrafo 1º, no inciso III, está sujeito à mesma pena “quem vende, expõe a venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente”.
Apesar da lei supracitada estar em vigor há 23 anos, as penalidades acerca dos crimes ambientais referentes à fauna ainda são desconhecidas por uma boa parte da população brasileira, que mantém de forma irregular animais silvestres de espécies. No ano de 2020, foram encaminhados ao Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO), 205 animais silvestres apreendidos em ações fiscalizatórias e denúncias no município e seus vizinhos. Dentre as espécies apreendidas, estavam araras-canindé, papagaios, periquitos, pássaros (trinca-ferro, canário-da-terra, pássaro-preto) e até mesmo caititus.
Com a veiculação de notícias relacionadas a apreensão de fauna, frequentemente, recebemos ligações e mensagens de munícipes que solicitam informações sobre a legalização de animais silvestres, bem como a emissão de documentos legais. Geralmente trata-se de periquitões-maracanã, papagaios e araras que foram criados desde filhotes nas residências. Os históricos? Inúmeros! Ganhou de um amigo, o animal já pertencia a algum membro da família e por motivos de força maior foi “repassado”, foi encontrado no chão, encontrado sozinho no ninho em área rural, apareceu nos quintal e por aí vai.
Entre alguns contatos feitos, um morador, que aqui denominaremos como José, relatou que sua arara-canindé havia voado para longe e adentrou em uma residência. Os proprietários da casa acionaram o batalhão de Polícia Militar Ambiental do município vizinho para o resgate da ave e logo a notícia sobre o caso e o destino do animal estava nas redes sociais.
Horas depois da entrega da arara no Cetas, José entrou em contato conosco para combinar o recolhimento da ave. E aí aconteceu sua decepção – com uma boa dose de compreensão. Explicamos sobre as irregularidades e as penalidade por manter animais de espécies silvestres em cativeiro e, devido ao fato de ser uma arara juvenil, ela poderia participar de projetos de reintrodução junto com um grupo já existente em nosso plantel.
Quando concluímos a explicação de todo o processo, do outro lado da linha podemos sentir o sorriso de José ao escutar que a arara tão querida poderia retornar à natureza e cumprir o seu papel ecológico, juntamente com outros indivíduos da sua espécie.

Já em outro contato, dessa vez feito por uma moradora que criava um periquitão-maracanã, nos foi solicitado o registro do animal e sua documentação para transporte, pois ela tinha uma viagem programada e teria que levar a ave. Como de costume, explicamos sobre a irregularidade e suas penalidades, especialmente tratando-se de transporte sem a documentação necessária, e então escutamos: “quer dizer então que tenho que entregar meu animal para vocês ou vou ser multada?”. Sem ao menos concluir nossa resposta, a ligação foi encerrada e sentimos a indignação da moradora por não ter os documentos de legalização do “seu” animal para realizar a viagem tranquilamente.
A educação ambiental está intimamente ligada às ações desenvolvidas pelos centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres (Cetras), especialmente quanto ao tráfico de fauna e a criação em cativeiro doméstico ilegal. Questões relacionadas a agressões a determinadas espécies, atropelamentos propositais de serpentes em ambientes urbanos e em rodovias, definições de maus-tratos, entre outros, devem ser abordadas constantemente para disseminar informações ao maior número de pessoas.
As crianças desempenham esse papel com extrema competência, fato que observamos nas palestras com temáticas ambientais nas escolas e quando elas que participam da entrega voluntária de animais no Cetas de Catalão. A sensibilização ambiental é um trabalho extremamente importante junto à comunidade e acreditamos que, com compromisso e responsabilidade, vamos conseguir plantar as sementinhas que serão as árvores do futuro.
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