A culpa (não) é só do clima

Onças-pintadas novamente aparecem queimadas no Pantanal. Agora, também, dois filhotes mortos carbonizados. Uma discussão sobre a montagem ou não da cena “anuviou” o principal: eles morreram queimados. Quatro anos após os incêndios de 2020 e não evitamos ou nos preparamos para esta emergência. Malditas mudanças climáticas!

Mudanças climáticas?

Esta expressão serve de escapatória como desculpa e alívio de culpa de muita gente. Afinal, se é o clima, não sou eu. Mas quem muda o clima?

A culpa pode ser da humanidade, mas se é da humanidade, não sou eu. No máximo um conjunto de outros humanos, mas não eu. E, então, também podemos culpar os Estados Unidos, a China, a Europa e outros que, mais industrializados, contribuem com o efeito estufa.

De nossa parte, no Brasil, estamos controlando o desmatamento. Estamos? Enquanto o corte raso (que é a conversão total da floresta) cai, a degradação da floresta sobe. O problema é que a degradação precede o corte raso. Ou seja, estamos apenas adiando o problema. Outro problema, e isso todos sentimos, é que a degradação precede a queima da floresta. Agora a fumaça chegou ao centro do poder político – Brasília – e, no centro do poder econômico – São Paulo. Será que algo vai mudar?

Não, não vai.

Anunciamos a extinção do Pantanal e, com sua extinção, a morte de milhões de animais que lá habitam. Anunciar, resignado, não resolve o problema.  A quem cabe? Quem tem o poder e como salvar o Pantanal? Mas como salvar os animais ou o Pantanal se o problema é global? A crise climática. Salve a crise climática.

Em razão dela, não preciso ver que, no Pantanal, a gente constrói diques, barragens, estradas elevadas, desmata a área de preservação permanente (APP) e a cabeceira dos rios, instala hidroelétricas e mineradoras, retira a água para irrigar as lavouras… Não quero ou não preciso ver. É mais conveniente assim, não se interfere em interesses e, enquanto os animais morrem, a floresta arde e todos tossem: “maldita crise climática”! Posso esbravejar e pedir coro à minha indignação.

Não quero ou não preciso ver que o problema é, também, principalmente, interno e que, se sou responsável pela doença, tenho que ser responsável pelo remédio. Mas… bendita seja a crise climática. A culpa é sua, não minha, não nossa. E sendo sua e global, nada posso fazer.

Enquanto isso, na lama, está o jacaré-do-pantanal (Caiman yacare). Para onde ele irá quando o Pantanal se for? Mas para onde ele irá agora? Para lugar nenhum, pois está preso na lama. Isso é normal, não interfiram, dizem alguns sem empatia e totalmente ignorantes. Eles prosseguem: é o curso natural, seleção natural, e o Pantanal seca mesmo. Se ele não estivar o suficiente, morre mesmo. Natural!

Natural?

Eu sei que o Pantanal seca. O fluxo das águas possui um delicado sistema de cheias e vazantes, um equilíbrio que quebramos. Agora ele seca antes e as águas chegam depois, ou seja, o período seco dura mais e é mais severo. Agora ele seca mais porque parte de sua água foi para a lavoura e parte nem entrou nos rios, já que desmatamos as cabeceiras. As águas que conseguem chegar no Pantanal, a gente barra com diques ou hidroelétricas.

Pobre do jacaré, preso na lama entre o negacionismo da interferência humana e o descaso com os animais. Há ainda os que negam sequer que a seca está anormal. Mas para os que aceitam em uma seca anormal, nem eles precisam se preocupar. Afinal, que mal há em diques, desmatamento, hidroelétricas, pastagens, mineradoras, irrigações ou estradas elevadas? O culpado não somos nós e podemos olhar para fora e gritar: maldita crise climática! Ou será bendita?

“Se tudo está dando errado e assim mesmo você está tranquilo, é porque já descobriu em quem colocar a culpa”.

O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.

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