A complexidade do gerenciamento de risco de fauna em aeroportos

Quando o assunto é gerenciamento de risco de fauna em aeroportos, gosto de fazer uma ressalva aos profissionais da área ambiental, especialmente àqueles que atuam diretamente com conservação: um bom gerenciamento de risco poupa vidas (humanas e animais). Portanto, indiretamente, contribui de forma positiva para a fauna, se bem conduzido.

Todavia, seu primeiro objetivo é garantir a segurança das operações aéreas. Digo isso para alinhar expectativas, já que uma das estratégias desse trabalho consiste justamente em deixar o ambiente aeroportuário hostil para a fauna – seja por meio da modificação do ambiente, do impedimento de acesso ou da perturbação sonora, por exemplo. Aqui não entraremos no mérito de intervenções mais contundentes, como translocações, por exemplo. Tais estratégias visam dissuadir os animais de se aproximarem das áreas de movimento de aeronaves.

Diferenças de atuação com fauna

Há uma enganosa tendência a se pensar que os trabalhos relacionados à fauna são todos semelhantes (quando não iguais). Fato é que embora guardem certa similaridade, o gerenciamento de risco de fauna e os demais tipos de manejo, resgate e levantamento em outros tipos de empreendimentos estão longe de serem a mesma coisa. Por quê?

Em primeiro lugar, além do foco principal da atividade, como mencionado, o trabalho em aeroportos foca prioritariamente em áreas abertas, nas quais ocorrem as operações aéreas – ou seja, o esforço amostral não é voltado às espécies florestais. A herpetofauna não é amplamente contemplada, também, em comparação aos demais grupos.

Além disso, segundo o Anuário de Risco de Fauna do ano de 2022, publicado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), as principais espécies envolvidas em colisões com aeronaves são quero-quero, carcará, morcegos, urubus e coruja-buraqueira. A listagem considerou apenas os reportes nos quais os animais envolvidos foram identificados, que correspondem a 60% desses dados.

Sabe-se pouco acerca dos morcegos nesse universo (alô, quiropterologistas!), até porque, em muitas ocorrências, sua identificação torna-se difícil. Pode-se notar, contudo, que as demais espécies são generalistas e pouco sensíveis a distúrbios ambientais. Com o aumento das operações aéreas, a expansão das áreas urbanas e a fragmentação de hábitats, os aeroportos são locais utilizados por essas e outras espécies, já que podem oferecer os recursos que elas necessitam.

Pensando na presença desses animais e no fato de que, ao prevenir que colidam com as aeronaves, estamos também poupando-os de um maior impacto negativo, é inegável que o gerenciamento de risco de fauna acaba tendo sua interface com a conservação da biodiversidade, de fato. Porém, ele é apenas uma pincelada de sua vasta paisagem.

Relação entre aeródromos e biodiversidade

Assim, importante se faz observar que os aeródromos, como empreendimentos, têm uma relação complexa e multifacetada com o tema biodiversidade, que muito extrapola os limites do gerenciamento de risco de fauna. Sua implementação, operação e expansão preveem intervenções nos meios físico, biótico e antrópico; o ruído aeronáutico e as emissões atmosféricas (que também podem afetar negativamente a vida selvagem); a circulação de pessoas e cargas (que pode acarretar a introdução de espécies exóticas invasoras).

Dessa maneira, quando tratamos de fauna e transportes no modal aviação, é fundamental reconhecer que as soluções para os desafios enfrentados devem incluir essas questões, em especial os impactos ambientais de longo prazo:

• O licenciamento ambiental deve levar em conta o pós-empreendimento em sua totalidade.
• Os monitoramentos de fauna devem investigar os ambientes e as espécies que não necessariamente estão dentro do escopo do gerenciamento de risco.
• A gestão de áreas verdes deve considerar o que a perda e a fragmentação de hábitats está causando.
• Já os aeródromos militares, por sua vez, dotados de extensas áreas vegetadas, podem incentivar pesquisas científicas em parceria com universidades para melhor conhecer seus domínios.
• E as atividades de educação ambiental devem abranger também esses demais aspectos relativos à biodiversidade.

Com a ascensão e a visibilidade da temática ESG recentemente trazida à baila, poderemos ver se os relatórios de sustentabilidade dos aeródromos trarão indicadores de desempenho que reflitam esses olhares.

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