A ciência cidadã ajuda na reintrodução e translocação de espécies

Nós, brasileiros, passamos, em média, mais de cinco horas por dia “mexendo” no celular, sendo Whatsapp e Tiktok com os maiores tempos de uso.

Que inferno, não é mesmo?

Pertencemos a não sei quantas comunidades, grupos de trabalho, de família, de amigos, enfim, haja tempo e atenção para cuidar de tudo isso.

Mas como em tudo na vida, é preciso valorizar o lado bom desse engajamento.

O assunto deste artigo é sobre como as comunidades de WhatsApp e perfis no Instagram estão promovendo a conservação da biodiversidade e a divulgação científica, ou seja, ciência cidadã da melhor qualidade.

Mas afinal, o que é ciência cidadã?

O termo tem várias definições, mas pode ser “traduzido” como pessoas, que não atuam profissionalmente na área científica, mas que se interessam por algum tema da Ciência e compartilham dados de suas observações com a comunidade de pesquisadores (para conhecer mais sobre o assunto). Alguma coisa assim como na imagem ao lado.

Na ilustração, copiada do site do Avistar 2023, uma mulher está sentada em seu laboratório e olha para a imagem de um pássaro em um livro. Modernizando um pouco, ciência cidadã é a pessoa com seu celular e o poder gigantesco da internet.

Um exemplo disso são os observadores de aves, que geralmente não são biólogos, mas “manjam” muito sobre aves. Eu, que sou bióloga, fico impressionada em ver como dominam os nomes científicos das espécies, falando e escrevendo com desenvoltura termos altamente complexos. Parabéns para essa turma! Sempre aprendo muito com ela.

Voltemos à questão da observação de aves. Seja pelo interesse em fotografia, pelas aves ou por ambos, assim que se começa a obter resultados vem a necessidade de compartilhar os achados e as aventuras. Assim surge o primeiro nível de engajamento, o grupo de WhatsApp dos amigos.

Dali a pouco, aquele grupo já não basta e aí o sujeito vai participar, por exemplo, de um coletivo de observadores de aves, como o Centro de Observação de Aves de Peruíbe, COAP, para os íntimos. Nele, as informações já passam de um nível local para um regional e até mesmo nacional, pois alguns desses grupos têm observadores e fotógrafos “feras”! Parabéns, senhor Fábio Barata!

Isso sem contar a possibilidade de participar de encontros regionais ou nacionais, que promovem a observação de aves, como no caso do Avistar.

Nesse meio tempo, tem as listas com os lifers e informações que são atualizadas regularmente nas plataformas de mídias sociais particulares e, sobretudo, no Wikiaves, que até separa as informações por Estado, e no eBird. Sobre essa última ferramenta, vale destacar a existência da página Ciência eBird, que “transforma a paixão da comunidade mundial pela avifauna num poderoso recurso para a investigação, conservação e educação”.

Ou seja, com foco em algum tema, como a observação de aves, internet e um smartphone, é possível obter uma quantidade inimaginável de informações. E claro, imperdível o grupo de WhatsApp criado para tirar as dúvidas sobre o eBird, com verdadeiras aulas de como utilizar corretamente todos os recursos da plataforma, inclusive com debates sobre as tão importantes boas práticas na observação de aves. Parabéns aos dedicados moderadores do eBird, que trabalhando de forma voluntária fazem toda a diferença para conservação da biodiversidade.

Mas aí vem a questão sempre trazida pelos pesquisadores profissionais: será que esses dados são confiáveis? Será que esse “monte” de dados permite fazer Ciência de verdade?

Nesse sentido, destaco o Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira, com a página Coleções Biológicas, que permite fazer o download de um arquivo explicando em detalhes como aprimorar a qualidade dos dados coletados. Uma informação importante nesse material é a diferenciação entre exatidão e precisão para os dados obtidos.

Ou seja, com um pouquinho de esforço e organização, todas as informações coletadas podem ser utilizadas como fonte de dados confiável, permitindo compreender melhor como uma espécie se desloca pelo território ou quantos indivíduos tem em uma determinada população em um determinado tempo. Inclusive é exatamente por isso, que bons trabalhos de monitoramento de espécies podem e devem contar com voluntários, pois a quantidade de dados obtidos é muito maior, permitindo tratamento estatístico adequado e melhorando a acurácia das conclusões e estimativas.

Uma outra plataforma legal é a Wildlife insights, que também tem uma página dedicada à divulgação de ações de monitoramento de vida selvagem pelo mundo.

Mas além de obter dados brutos, o engajamento da ciência cidadã permite muito mais.

Divulgando problemas ambientais nas redes sociais

Uma das formas de combatermos a degradação ambiental e a perda de biodiversidade é através da divulgação de posts que nos tocam. Um caso evidente é a tal pesca por finning, em que toneladas de animais, no caso, tubarões, morrem de forma cruel para satisfazer a demanda por barbatanas, que são amplamente usadas em produtos medicinais e em cosméticos – as barbatanas são removidas e, geralmente, o restante do animal, que ainda pode estar vivo, é descartado no mar. A pessoa em geral não “liga” a prática cruel com a embalagem “limpinha e bem produzida” do produto, que especifica em letras bem pequenas a presença do “milagroso” elemento.

O exercício da ciência cidadã melhora nossa percepção de risco e de como nossos hábitos de consumo impactam negativamente a biodiversidade.

Outra forma legal de praticar ciência cidadã é “seguir” alguém ou algum grupo. Um trabalho muito bem feito vem sendo realizado por nossos colegas de site, aqui no Fauna News, o pessoal da Operação Sapajus. Eles inclusive fazem as solturas mais difíceis, que são as de primatas, daí a necessidade de manter bem-informada e engajada a comunidade do entorno das ações. Além de fazerem tudo isso, ainda divulgam materiais de interesse como a cartilha Macaco não é pet, criada pela Sociedade Brasileira de Primatologia.

Mas afinal, o que tudo isso tem a ver com soltura de animais?

Quem faz translocações e reintroduções precisa contar com o engajamento da comunidade do entorno e de todo e qualquer dado de monitoramento com o qual possa contar. Daí a necessidade de se publicar dados confiáveis e padronizados. Ninguém faz nada sozinho e, como vimos, não faltam opções para aumentar nosso engajamento e para aprimorar nosso conhecimento.

Termino o artigo de hoje com esta sensacional imagem abaixo. Parte do livro a ser lançado este mês, Remembering Leopards.

O projeto criado por Margot Raggett tem a missão de criar os livros mais bonitos que já tenham sido feitos sobre uma espécie, para serem vendidos com a finalidade de conscientizar sobre os desafios enfrentados por esse grupo animal e angariar fundos para protegê-lo. É fundamental lembrar se queremos de fato promover a conservação da biodiversidade planetária. O bom é que sempre há tempo para fazermos a diferença. Então, vamos lá?

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados 
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