Por Adriana Prestes
Bióloga, responsável técnica por áreas de soltura e monitoramento de fauna silvestre na Serra da Mantiqueira e Vale do Paraíba (SP) e secretária executiva do Grupo de Estudo de Fauna Silvestre do Vale do Paraíba, Litoral Norte e Serra da Mantiqueira
segundachance@faunanews.com.br
Começamos este artigo já afirmando ao querido leitor, que não, a autora não está confusa! Afinal, qual seria a relação de sondas espaciais com solturas de animais silvestres?
A soltura de qualquer animal silvestre funciona como uma sonda, exatamente como as sondas espaciais, lançadas pela Nasa, por exemplo, para a coleta de dados no espaço sideral.
Também aproveito para explicar por que não falamos dos “bichinhos”, já que esta coluna se chama segunda chance e trata do retorno da fauna à vida livre.
Amigo leitor, um dos grandes problemas no que se refere a solturas é que o arcabouço conceitual é vasto e, com já foi tratado em artigos anteriores (leia em “Área de soltura tem código de ética?” e “Área de soltura tem que ter plano de contingência?“), complexo. Portanto, a simples menção da palavra “soltura” causa arrepios em vários colegas de profissão e de ofício. Desta forma, tenho procurado introduzir alguns aspectos que auxiliem quem faz soltura a refletir sobre as práticas adotadas e, portanto, como “soltar melhor”.
Pois muito bem, então agora vamos falar da tal sonda….
Uma das questões no que tange a solturas e que gera os debates mais acalorados é a famosa “capacidade de suporte” do ambiente no qual o animal é solto. O que ocorre com essa expressão é que ela enseja várias coisas, como, por exemplo: além de alimento, o animal encontrará água?; estará a salvo de caça?; terá boas chances de sobreviver ao ataque de predadores silvestres?; como será sua relação com os domésticos presentes no local? E, por fim, suportará as perturbações promovidas por outros seres humanos?
Uma forma de responder a parte desses questionamentos é, precisamente, soltando animais.
Quando soltamos um animal, e se o fazemos da melhor forma possível, no primeiro momento o indivíduo fica próximo ao local de soltura, principalmente se contiver alimento. Mas depois, ele vai se dispersando, buscando áreas de interesse que de alguma forma sejam vantajosas. Ocorre que, e imaginando que estamos monitorando ativamente o desfecho dessas solturas, os animais podem retornar ao local inicial de soltura, pois de fato vão fazendo um rodízio de pontos de forrageamento e, dependendo da constituição do fragmento onde foram soltos, poderão ser eventualmente reavistados. E é nesse momento em que podemos de fato avaliar a qualidade de suporte do meio, respondendo perguntas como: quanto tempo decorreu da soltura?; qual é a condição do animal?; ele foi avistado com filhotes?; formou um bando (no caso de aves) com outros indivíduos da população residente?
E vejam que cada espécie, por sua especificidade, só permite responder algumas dessas questões. Assim, para que de fato possamos avaliar a capacidade de suporte, é necessário soltar de forma controlada, ou seja, intermediar lotes de soltura com monitoramento e avaliação dos resultados. Cada animal interage ativamente com meio e, portanto, envia “sinais”, assim como as sondas espaciais sobre as condições do meio.
Em um monitoramento criterioso e cuidadoso, é preciso considerar que alguns sinais da atividade dos animais soltos são discretos e difíceis de coletar – assim como com as sondas espaciais. Mas esses dados são a chave para o sucesso ecológico das solturas.
Assim como na Nasa, cada soltura tem que ter um Centro de Controle de Missão, com pessoas treinadas, voluntárias ou não, na busca de sinais que possam ser compilados em bancos de dados que, depois, são analisados por especialistas.
Que bom se pudéssemos ter uma Central de Dados de Solturas, onde cada dado de soltura realizada pudesse ser armazenado, gerando então, uma massa crítica suficiente para eliminar o viés de interpretação e de fato indicar as tendências de sucesso para cada espécie em cada tipo de ambiente. Hoje, empregamos essa estratégia para estudarmos a questão dos atropelamentos de fauna, tornando cada dia mais clara a gravíssima situação, inclusive demonstrando os problemas sobre a integração entre os órgãos que fazem a manutenção das rodovias e a forma de atendimento à fauna atingida.
A questão é que, embora extremamente importantes, os dados de atropelamento de fauna glorificam a morte e os de soltura, se compilados da mesma forma, poderiam apontar para a vida – o que seria um respiro para este momento, que que já há tanto “peso” no ar.
– Leia outros artigos da coluna SEGUNDA CHANCE.
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