
Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
A manutenção da biodiversidade, que pode ser dividida em diversidade genética, de espécies e ecossistêmica, constitui, em última análise, em uma das metas da conservação. A biodiversidade de espécies, a mais comum ligada o termo, relaciona-se com a riqueza de espécies, ou seja, quantas espécies existem em um determinado ambiente. O contraponto à biodiversidade é a extinção que pode ser ecológica, local, no ambiente natural ou global. Alguns ainda citam a extinção regional.
A extinção ecológica decorre da diminuição de indivíduos de tal forma que eles não mais consigam desempenhar, no meio, a função ecológica da espécie. Por exemplo, caso sejam predadores, a população de presas não será mais pressionada por eles. A extinção local, usualmente menosprezada, constitui o desaparecimento da espécie em determinado local, apesar de sua ocorrência ainda ser verificada em outras áreas. É importante lembrar que a extinção na natureza e a extinção global são, normalmente, precedidas de inúmeras extinções locais. Extinção na natureza tornou-se célebre no Brasil em decorrência do caso da ararinha-azul que, embora eliminada do sertão baiano, ainda possuía indivíduos em cativeiro – muitos deles, aliás, resultado do tráfico de animais que foi o responsável por eliminar a espécie do meio natural. Finalmente, a extinção global é, muitas vezes, tratada simplesmente por extinção, pois ela é a morte, o desaparecimento da espécie. Significa a ausência de indivíduos vivos, quer no ambiente natural ou em cativeiro.
Conservação é o termo dado aos procedimentos, recursos e empregos de meios que visam a manutenção da biodiversidade. A conservação, portanto, se contrapõe à extinção. Temos duas grandes categorias de conservação: a conservação in situ e a conservação ex situ. Conservação in situ significa aquela que envolve a manutenção das espécies no ambiente natural. Parques, florestas nacionais, terras indígenas, áreas de preservação permanente e reservas legais são exemplos de áreas definidas e protegidas por lei que contribuem para a conservação. Nestas áreas, os animais se mantêm livres, exercendo suas funções ecológicas e estão sujeitos à seleção natural. Reintroduções (soltura de indivíduos em área de ocorrência de sua espécie) e translocações (transferências de animais de uma área para outra) também são procedimentos afetos à conservação in situ
A conservação ex situ é aquela praticada fora do ambiente natural. Usualmente é recomendada mediante a necessidade de rápido acréscimo populacional para que, depois, os indivíduos possam ser reintroduzidos naquele ambiente do qual foram extirpados. Para tanto, é necessário, também, que os vetores que levaram à extinção tenham sido eliminados ou amplamente reduzidos.
A prática da conservação ex situ, portanto, possui objetivos delineados e cuja meta final é a conservação in situ daquela espécie. Usualmente perpassa pela necessidade de aumento populacional mas, principalmente, esse incremento não pode ser desorganizado. Ou seja, ele não deve depreciar a diversidade genética daquela população e, especialmente, deve ser evitada a seleção artificial. Como resultado, os cruzamentos entre parentais são definidos por critérios técnicos de forma a reduzir a consanguinidade, manter ou ampliar a diversidade genética e reduzir ao máximo a seleção artificial.
Observa-se, portanto, que a simples coleção de indivíduos em cativeiro é muito pobre para ser definido como conservação ex situ. Seria como chamar de bolo a simples disposição de ingredientes sobre a mesa. A conservação ex situ pressupõe procedimentos concatenados e técnicos, assim como fazer um bolo pressupõe, não apenas os ingredientes, mas seus usos de forma organizada, seguindo-se uma receita. Portanto, manter indivíduos em cativeiro e dizer que isso é conservação ex situ é aviltar todos os que, de forma técnica e profissional, trabalham com conservação. É chamar de bolo uma mistura desordenada ou simplesmente a existência de ingredientes na despensa.
Não obstante, em geral, esta confusão não é despretensiosa. Usualmente, ela é intencional e realizada por criadores. Afinal, arguir conservação possibilita um verniz agradável à atividade comercial de reproduzir animais para a venda, tornando-a mais palatável para a população. Além do objetivo da criação comercial ser o lucro, outra característica intrínseca dessa atividade a afasta da conservação ex situ: a preferência e uso intensivo da seleção artificial.
Os criadores buscam os espécimes mais vistosos, os mais dóceis, os de melhor canto e os mais diferentes (morpho snake, por exemplo) para induzir seus desejos e de sua clientela na seleção sexual dos pares reprodutivos. O fato contraria um dos preceitos básicos da conservação ex situ. Assim, a criação comercial, por princípio e divergência de procedimentos, se afasta da conservação. É evidente, porém, que na falta de qualquer outro indivíduo da espécie, aqueles na criação comercial seriam importantes para evitar a extinção. Mas a última opção não deve ser exaltada como se fosse a salvação.
Finalmente, programas de conservação tais como os do mico-leão-dourado e da ararinha-azul, tão aventados por criadores comerciais como exemplos de suas contribuições, são decorrentes de real conservação ex situ, ou seja, reprodução em cativeiro, mas não de criação comercial. Ademais e principalmente, para ambas as espécies e para muitas outras, é justamente o desejo de tê-las em cativeiro um importante vetor, ou o principal, para seu risco de extinção na natureza. Gostar dos animais e se preocupar com sua conservação é querê-los livres, ou seja, é ter como meta a conservação in situ – na natureza.
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
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