Por Carlos Eduardo Tavares da Costa
Biólogo, bacharel em Direito e agente de Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Destinei algum tempo para analisar a Agenda 2030 da ONU – Organização das Nações Unidas. Documento referendado por vários líderes mundiais e que tem com escopo orientar ações para um desenvolvimento sustentável e erradicação da pobreza com espirito de parceria entre nações. Da teoria à prática, temos um longo caminho, passando por diferentes economias, culturas, realidades político-administrativas dos países, flatulência dos bois, camada de ozônio e, principalmente, interesses de grupos estatais e corporativos. Seria possível, agora que temos um curto prazo de 10 anos conseguir a tal “resiliência” proclamada na meta 1.5? Lembrando que “resiliência”, no sentido figurado, significa: se adaptar às mudanças.
Apesar de leigo em questões de economia e planejamento urbano, enxergo algumas contradições e dúvidas ao longo do documento.
Nas Metas do Objetivo 1, garantir recursos para os países em desenvolvimento a partir de “uma variedade de fontes” é algo subjetivo. “Acabar com a pobreza em todas as suas dimensões”, pior ainda. Quais seriam as fontes e de que tipo de pobreza estamos falando? Existem “pobrezas” inteiramente relacionadas aos regimes políticos em que estão inseridas. A falta de liberdade individual e, consequentemente, de empreendedorismo resulta em inércia econômica e, fatalmente, problemas sociais sérios.
“Erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares” pode ser exequível, porém, significaria, também, a não exploração dos recursos naturais em países mais pobres por grandes corporações, muitas delas estatais. Lembrando que governos têm cobrado alíquotas fiscais cada vez mais baixas delas e dos mais ricos. Quais seriam as medidas para com essas corporações ou governos que as controlam?
Nas Metas do Objetivo 2 falamos em commodities, basicamente alimentos. Acabaríamos com a lei da oferta e demanda já que o documento acusa distorções e volatilidade de preços? A produção agrícola dos países depende de vários fatores: clima, adaptação das espécies, tecnologia, investimentos em pesquisas, área de plantio e, principalmente, mercados. O Brasil, por exemplo, que gera cinco vezes sua segurança alimentar usando apenas 9% de seu território e alimenta boa parte do planeta, teria que se adaptar a quê?
Até 2030, “Dobrar a produtividade agrícola” não significa, apenas, investimentos em tecnologias e insumos. Haveria a necessidade de aumento significativo na área plantável. Ocorreriam desmatamentos e modificações em ecossistemas, sem dúvida.
Nas Metas do Objetivo 6, “… proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos.” (lembrando que nesse item o prazo venceu em 2020), a “restauração” significaria rever e modificar todas as áreas urbanizadas por onde estes mananciais passavam? Podemos aproveitar e já citar as Metas do Objetivo 7, que tratam de energia. “Até 2030, expandir e modernizar a tecnologia para o fornecimento de serviços de energia modernos e sustentáveis para todos nos países em desenvolvimento”. Que grau de modernidade e nível tecnológico estamos falando? Haveria necessidade de modificar as tais áreas citadas no Objetivo 6 ou não?
Nas Metas do Objetivo 11, “Até 2020, aumentar substancialmente o número de cidades e assentamentos humanos adotando e implementando políticas e planos integrados para a inclusão, a eficiência dos recursos …”, estamos falando em ampliação de áreas urbanas? Não existe um preço a pagar por isso? Quem habita médios ou grandes centros urbanos sabe, na prática, que existe certa incompatibilidade.
As Metas do Objetivo 13 abordam mudanças climáticas: “Promover mecanismos para a criação de capacidades para o planejamento relacionado à mudança do clima …”. Eis uma grande discussão. Se procurarmos no painel do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), descobriremos todos os tipos de pesquisas e resultados sobre esse assunto. Dados e reportagens datadas do início dos anos 70 davam conta de que uma nova ‘Era do Gelo’ seria inevitável para o ano de 2000. Era o “resfriamento global”. De 2009 até 2013, as notícias mudaram: “não haverá mais gelo nos polos”.
Em 2009, Gordon Brown, primeiro-ministro britânico: “Temos apenas 50 dias para salvar o planeta de uma catástrofe climática”. Em 2005: “Manhattan debaixo d’água até 2015”. Quando olhamos a lista de países que mais emitem gases de efeito estufa, a China desponta. Em setembro de 2020, o presidente Chinês, Xi Jinping, declarou à Assembleia das Nações Unidas: “Nossa meta é chegar ao pico das emissões de CO2 antes de 2030 e neutralidade carbônica antes de 2060”. O Japão anunciou meta zero de emissões de gases-estufa e a Coreia do Sul, a neutralidade de carbono, ambos até 2050.
O exemplo dado pelo ator, Leonardo Di Caprio também não é dos melhores. Ele não se desloca para qualquer cúpula de meio ambiente sem que o faça em seu jatinho particular que, aqui entre nós, polui e danifica a camada de ozônio bem mais que minha bike.
Fiquei bem mais tranquilo quando o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, adquiriu uma belíssima casa de 181 m² em Montecito, na Califórnia, em frente ao mar.
No Objetivo 15, “…combate à caça ilegal e ao tráfico de espécies protegidas, inclusive por meio do aumento da capacidade das comunidades locais para buscar oportunidades de subsistência sustentável.” Brasileiros e cidadãos que habitam outras nações com áreas tropicais e grande diversidade biológica conhecem bem essa equação. A necessidade de subsistência é diretamente proporcional à biota impactada e inversamente proporcional ao bioma protegido. A grande questão é equilibrar a proteção ambiental à extração de recursos e formação de setores adjacentes de maneira sustentável. Quanto ao tráfico ilegal de animais silvestres, sabemos que em boa parte representa crimes transnacionais. Envolvem comunidades locais no ato de captura e organizações criminosas para o transporte e comercialização final. Reforço, sempre, a necessidade do investimento nas capacidades de fiscalização, pois, na etapa seguinte o dano já ocorreu e é, na maioria dos casos, irremediável.
“Garantir uma repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos…” vamos ter que conversar seriamente com os grandes grupos farmacêuticos.
“…deter o desmatamento, restaurar florestas degradadas e aumentar substancialmente o florestamento e o reflorestamento globalmente.” Ok, de novo vamos de encontro às Metas do Objetivo 11.
As Metas do Objetivo 17 tratam de parcerias e meios de implementação das mesmas.
Lamento informar, mas há a necessidade de recursos para implementar toda essa agenda. Para arrecadar mais, é preciso produzir mais e, fatalmente, extrair mais. Lembrando: vivemos em um planeta reciclável, porém finito. “…melhorar a capacidade nacional para arrecadação de impostos e outras receitas” é sacrificar, mais ainda, o cidadão já congestionado por impostos. Lembremos da Curva de Laffer, que trata do equilíbrio tributário ideal. Quem sabe o quanto um cidadão suporta perder para o Estado uma parte de seu trabalho é ele próprio e o Estado em que está inserido. “Mobilizar recursos financeiros adicionais para os países em desenvolvimento a partir de múltiplas fontes” é genérico demais para se aceitar “repartir”, tendo em vista que a grande maioria das nações, inclusive as mais ricas, detém dívidas gigantescas.
“Ajudar os países em desenvolvimento a alcançar a sustentabilidade da dívida de longo prazo (…) promover o financiamento, a redução e a reestruturação da dívida (…) externa dos países pobres altamente endividados para reduzir o superendividamento”. Não me consta que os países pobres ou a grande maioria dos países em desenvolvimento sejam os mais endividados. Países pobres não recebem financiamentos, justamente por serem pobres e não ter condições para saldar suas dívidas. No rol dos países mais ricos, vamos encontrar os mais endividados, como Japão, Itália, França, Canadá e Estados Unidos.
Quanto aos discursos dos chefes de Estado ou representantes de governos nas cúpulas, serei breve. Qualquer líder que falasse alguma coisa fora do comprometimento de uma agenda como esta seria defenestrado.
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