Por Bruna Almeida
Bióloga e coordenadora do Projeto Reabilitação de Fauna Silvestre e das atividades de educação ambiental no Centro de Triagem de Animais Silvestres de Catalão (GO)
universocetras@faunanews.com.br
Quando os animais silvestres são encaminhados aos centros de triagem e de reabilitação, não podemos mensurar o período em que permanecerão ali. Em alguns casos, o tempo para reabilitação pode ser longo e ainda assim o indivíduo não ter as condições necessárias para ser reintroduzido na natureza. Já os que se recuperam e ficam aptos à soltura passam por momentos de estresse no recinto, uma vez que o ambiente é diferente e o contato com humano é constante devido ao manejo diário.
Acredito que a dificuldade em destinar os animais silvestres aos empreendimentos autorizados de fauna não seja uma dificuldade apenas do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) de Catalão (GO), mas também de outros centros, visto que a destinação envolve custos financeiros e nem sempre pode ser custeado pela instituição destinatária. A nossa maior demanda são os Psitacídeos (papagaios, periquitos, periquitões e araras), onde grande parte é oriunda do cativeiro ilegal e apresenta um alto grau de domesticação, além de mutilação de membros.
A intensa quantidade de Psitacídeos que não podem ser reintroduzidos ocasiona a lotação dos recintos e conflitos entre os indivíduos. No intuito de reduzir esse estresse e sair da rotina diária de manutenção, buscamos através de técnicas criativas a aplicação de enriquecimentos ambientais para manter os animais ativos por um período que é determinado pela interação.
O enriquecimento ambiental é uma ferramenta fundamental para o bem-estar dos animais, que permeia entre o caráter psíquico, físico e cognitivo. A vida na natureza nada é comparada ao cativeiro, pois estão na maior parte do tempo se deslocando em busca de alimento, água e abrigo, além de se protegerem dos possíveis predadores. Nessa perspectiva, os enriquecimentos ambientais se constituem como técnicas criativas para estimular os animais através de situações semelhantes às do ambiente natural, além de reduzir os níveis de estresse do cativeiro.
O estresse pode ser manifestado por meio da automutilação (arrancam as penas, mordem a cauda), ausência de penas e pelos, andar de um lado para outro, comportamentos agressivos, sacudir a cabeça e inúmeras ouras situações. Trazendo para a realidade do Cetas de Catalão, os Psitacídeos são os que mais apresentam as condições citadas acima por serem oriundos de cativeiro.
Podemos caracterizar os enriquecimentos ambientais em cinco categorias: físico (proporciona um ambiente mais natural), cognitivo (estimula o raciocínio, coordenação motora), sensorial (exploração dos sentidos), social (interação entre indivíduos) e alimentar (variação de alimentos e na forma de acesso aos alimentos). Para a aplicação dos enriquecimentos ambientais, fazemos um planejamento semanal e propostas diferentes para as espécies, visando a utilização de itens mais naturais possíveis. Nesse momento, a criatividade é essencial e os voluntários sempre capricham e se divertem.
Além da aplicação do enriquecimento ambiental, os voluntários acompanham a interação (ou não) dos animais com os enriquecimentos através de etogramas (conjunto de comportamentos manifestados pelos indivíduos). Particularmente, é uma chuva de informações quando paro para observar os animais em diferentes horas do dia e analiso suas ações e reações. Fazer a análise comportamental (etologia) me ajudou e me ajuda diariamente no manejo de animais silvestres – essa é uma dica para os futuros profissionais que desejam trilhar nessa área.
Umas das ações realizadas pelo Programa EcoVoluntário é o incentivo a iniciação científica, uma vez que grande parte dos participantes são graduandos de Ciências Biológicas e de Medicina Veterinária. Os resultados dos enriquecimentos podem ser tratados e divulgados através de apresentações em eventos, bem como publicados em anais e revistas científicas, contribuindo com o currículo do graduando que deseja ingressar na pós-graduação (mestrado ou doutorado). Mas para que isso ocorra, é necessário comprometimento, dedicação, responsabilidade e paciência.
Mais que simplesmente utilizar esses resultados como informações para pesquisa, desenvolver os enriquecimentos ambientais sempre foi uma grande satisfação para mim, pois constatar as mudanças positivas comportamentais mostra que nossas técnicas estão sendo funcionais. Proporcionar o bem-estar do animal é necessário, independentemente da categoria de empreendimento que abrigua animais silvestres.
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