Biólogo, mestre em Ecologia e agente de fiscalização ambiental do Ibama.
nalinhadefrente@faunanews.com.br
A previsão para o comércio de animais silvestres está disposta desde 1967 segundo texto da Lei nº 5.197. Daquele momento até o presente, os então analistas do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), depois do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e, atualmente, dos órgãos estaduais de meio ambiente foram e são responsáveis pela autorização de criação de animais silvestres. Em nenhuma das instituições houve limitação para quais espécies seriam autorizadas. Assim, a discricionariedade do ato recai sobre o analista, que poderia autorizar, por exemplo, uma onça como animal de estimação. Óbvio que uma onça não guarda, necessariamente, os quesitos e as características de um bom animal de estimação.
Apenas em 2007, a Resolução Conama nº 394 estipulou critérios para que uma espécie silvestre nativa pudesse ser autorizada como animal de estimação e coube ao Ibama a atribuição de elaborar a lista. No entanto, apesar de elaborada e submetida à consulta pública, por questões políticas, a lista nunca foi editada. As ONGs de proteção animal ansiavam pela lista zero (a não indicação de espécies) enquanto os criadores de animais pressionavam por uma lista ampla, com centenas de espécies. A lista com dezenas, embora pautada em critérios técnicos, não agradou nem a proteção nem o setor produtivo.
A lista não foi publicada e, em 2018, uma minuta de resolução acerca da Lista Pet excluiu o termo “bem-estar” da proposta de resolução. A exclusão se deveu à pressão do setor produtivo. Assim, embora não tenha sido editada, a resolução não consideraria o bem-estar dos animais como uma necessidade, premissa ou condição para que uma espécie pudesse ser criada para servir de animal de estimação.
Entendo que essa deveria ser a condição básica, pois, afinal, deveríamos considerar as necessidades do animal. Não as considerar é ainda mais egoísta, pois fica evidente que os interesses são apenas caprichos humanos. A exclusão do termo “bem-estar” não atende aos animais, mas atende aos interesses financeiros do setor produtivo. Considerar o bem-estar de animais significa que alguns consumidores não poderão adquirir determinadas espécies, já que, além do valor do animal, também deverá ser considerado o tamanho e tipo de local ele onde será mantido.
Uma arara em um pequeno viveiro em um apartamento nem pensar. Uma jiboia que chega a mais de dois ou três metros não poderá mais ser mantida em um terrário de apenas um metro. Sim, o bem-estar restringe clientes e diminui as vendas. Pode ser um grande perigo aos negócios.
Aliás, essa história de bem-estar pode ser ainda mais perigosa. A proposta de que os animais não podem sofrer pode chegar até aos próprios criadores, que seriam cobrados a manter papagaios e araras em recintos onde possam voar ou a manter serpentes em locais onde possam se esticar. Tudo isso significa bem-estar, mas também significa gastos.
Mas em algum momento conseguiremos mostrar que os animais têm o direito ao bem-estar e que o lucro tem limites éticos. Quem sabe bem-estar volte ao texto do Conama e, talvez, chegue finalmente aos criadouros e ao cativeiro doméstico.
O texto reflete posição pessoal e não, necessariamente, institucional.
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