Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. É mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
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Muitas pessoas mencionam a falta de leis efetivas para o combate ao tráfico de animais e como elas são permissivas para a continuidade dessa atividade criminosa. Mas será que realmente não temos leis efetivas? Ou é a forma como elas são aplicadas que pode deixar essa sensação de impunidade?
Acho interessante um debate sobre as leis vigentes que tratam do tráfico de fauna e as possibilidades em que a própria legislação permite a manutenção dessa atividade, o que serviria como um estímulo negativo ao combate a esse crime – aquilo que acabamos lendo como “brechas” para a continuidade dos crimes contra a fauna.
A Lei de Crimes Ambientais, a lei nº 9.605/98, embora não criminalize a conduta direta do tráfico de animais, traz em seu artigo 29 e incisos as ações associadas ao tráfico, ou seja, condutas como matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar, assim como vender, expor à venda, exportar, adquirir, guardar, ter em cativeiro ou depósito espécimes da fauna silvestre. E a pena não é irrisória: é de “detenção de seis meses a um ano”. Eu me pergunto: é uma pena alta? Considero que não, pois permite a aplicação da lei que qualifica esse crime como de menor potencial ofensivo por não ter pena máxima superior a dois anos (lei nº 9.099/95). Com isso, dificilmente alguém vai preso.
Mas, pensando na legislação brasileira, é uma pena maior, por exemplo, do que as previstas para crimes como “lesão corporal”, “omissão de socorro” e, até mesmo, “maus tratos a pessoas”. Ou seja, embora não se aproxime da pena do crime de homicídio (6 a 20 anos) e roubo (4 a 10 anos), ela está parametrizada com a que aplicamos em no nosso código penal.
O que causa talvez a sensação de impunidade pode ser o que vem descrito no parágrafo 2° do mesmo artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais: “No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”. E aqui é onde traficantes acham sua “brecha” para se manterem livres de sanções penais, o que acaba gerando reflexos também nas questões administrativas, uma vez que temos o mesmo dispositivo no decreto federal nº 6.514/08, em que as multas podem deixar de aplicadas e, consequentemente, nas medidas administrativas acessórias, incluindo a que julgo como a mais importante delas: a “apreensão”, que pode ser quebrada e o animal inclusive ser devolvido ao traficante se o Estado não conseguir provar que a manutenção não era com o intuito de guarda doméstica.
De fato, temos que entender que as leis são reflexos de nossa sociedade e, se as penas são brandas, deve partir de todos ou ao menos da maioria da sociedade o movimento para alterá-las.
O que identifico é que a atual pena associada ao tráfico de animais está alinhada com outros crimes que possuem penas menores ou similares e que dificilmente é observado movimento para aumentá-las.
No entanto, o que vejo ser extremamente necessário e urgente é que dispositivos como esses do parágrafo 2° do artigo 29 da lei nº 9.605/98 e do parágrafo 4° do artigo 24 do decreto federal nº 6.514/08 deixem de existir, pois seria possível, ao menos, garantir o mínimo das aplicações das sanções penais, assim como a manutenção de apreensões e multas às pessoas identificadas realizando essas atividades tão lesivas a nossa fauna brasileira. Sem isso, não veremos mudanças consideráveis a curto e médio prazos no combate ao tráfico de animais.
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