Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
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Quando os paleontólogos argentinos Federico Lisandro Agnolín e Sergio Bogan se depararam com o fóssil de um novo bagre gigante do gênero Brachyplatystoma Bleeker, 1862 (Siluriformes: Pimelodidae), consideraram adequado batizá-lo de Brachyplatystoma elbakyani. O epíteto específico é uma homenagem à desenvolvedora de software e neurocientista Alexandra Elbakyan, do Cazaquistão, a criadora do Sci-Hub, em gratidão por seus esforços para disponibilizar gratuitamente as publicações científicas a pesquisadores de todo o mundo.
O problema é que Alexandra se ofendeu por ter seu nome associado ao bagre do Mioceno da Argentina, com peso estimado em 200 quilos e mais de 3,5 metros de comprimento. O nome comum em inglês do gigante, catfish, além de significar bagre (ou peixe-gato), também é uma gíria para pessoas que foram enganadas por outras na internet. Por ser grandão, o peixe foi relacionado ao vilão bíblico Golias (Goliath catfish), aumentando a irritação de Alexandra, que chegou a ser ofensiva aos bem-intencionados pesquisadores argentinos.
A turma do deixa-disso entrou em ação e tentou explicar a magnitude da homenagem, mas a celebridade cazaque não aceitou. Alguns mostraram outras homenagens similares, usando o campo da Entomologia como exemplo, mas aí Alexandra perdeu de vez as estribeiras, por considerar os insetos “nojentos”. O que seria uma emocionante homenagem na visão de qualquer taxonomista, foi interpretado como uma ofensa – tudo por conta da má fama (injustificada) de alguns animais.
A lamentável confusão trouxe ao conhecimento de muitos algumas das questões relativas ao batismo de novos gêneros e espécies, aqueles nomes “estranhos” que a maioria não entende. São as regras da nomenclatura zoológica que organizam e regulamentam os procedimentos de nomeação de novos animais. Tradicionalmente, os nomes de gênero e espécie são propostos com base em algum referencial geográfico, morfológico, comportamental ou mesmo como forma de homenagem a relevantes pesquisadores da área. Recentemente, no entanto, interessante fenômeno está sendo observado: cada vez mais táxons têm sido batizados inspirados em elementos culturais, quer sejam pessoas reais ou personagens fictícios.
Sítios de internet mencionam nomes animais pouco convencionais, com destaque para a excelente página de Facebook Nomes Científicos. No artigo “A cultura influenciando a Ciência: nomes de animais inspirados em elementos culturais”[1], pesquisadores inventariaram os nomes de animais com inspiração cultural, com base em 59 artigos livremente analisados. Do total, cerca de 40% são homenagens a personalidades reais, como futebolistas, artistas e políticos.
Muitas dessas menções culturais são relativas aos insetos, dentre eles vespinhas do gênero Aleiodes Wesmael, 1838 (Hymenoptera: Braconidae). Esses diminutos insetos são parasitoides, designação dada àqueles que passam parte significativa do ciclo de vida no corpo de um único hospedeiro, causando invariavelmente a morte desse hospedeiro. A tailandesa Buntika Areekul Butcher, o canadense M. Alex Smith, o estadunidense Mike J. Sharkey e o inglês Donald L.J. Quicke descreveram, em 2012, Aleiodes gaga, da Tailândia, em honra à grande celebridade pop estadunidense Lagy Gaga. Em 2014, o brasileiro Eduardo Mitio Shimbori (Universidade Federal de São Carlos) e o estadunidense Scott Richard Shaw descreveram Aleiodes shakirae, espécie equatoriana que recebeu o nome da famosa cantora colombiana Shakira. Como o parasitismo por essa espécie faz com que a lagarta hospedeira dobre e torça seu abdômen de várias maneiras, e sendo Shakira também conhecida por sua dança do ventre, o nome pareceu particularmente apropriado.
Completando o time de divas da música pop, outra grande estrela também já foi homenageada pela taxonomia entomológica: Scaptia beyonceae (Diptera: Tabanidae) é uma mutuca da Austrália, com o abdômen coberto por densas cerdas de cor dourada. Isso, segundo os seus descobridores, os australianos Bryan Lessard e David Yeates, faz lembrar a cantora estadunidense Beyoncé, especialmente em sua performance no clipe da música “Bootylicious”. A mutuca foi encontrada em 1981, o ano de nascimento da pop star.
Não se sabe exatamente se Beyoncé gostou – ou mesmo soube – da homenagem, algo que aconteceu com outra celebridade estadunidense, o astro hollywoodiano Leonardo DiCaprio. O pequeno besouro aquático Grouvellinus leonardodicaprio (Coleoptera: Elmidae) foi descoberto em uma cachoeira na Malásia e, segundo os autores (os filipinos Hendrik Freitag e Clister V. Pangantihon, e a sérvia Iva Njunjić), batizado para marcar o vigésimo aniversário da Fundação Leonardo DiCaprio e seus esforços em prol da preservação da biodiversidade. DiCaprio gostou tanto da homenagem que usou em seu perfil nas redes sociais uma foto do besourinho.
A fauna entomológica brasileira não poderia ficar de fora dessa lista de homenagens a celebridades. Em 2014, os pesquisadores Gabriel Costa Queiroz e Maria Cleide de Mendonça (Universidade Federal do Rio de Janeiro) descreveram Handschinia rauli (Collembola, Neanuridae), de Minas Gerais, homenageando o cantor Raul Seixas. Em 2015, Queiroz, associado ao francês Louis Deharveng, descreveu Ectonura snowdeni, também procedente de Minas Gerais, em homenagem ao ativista Edward Snowden. Snowden é o analista de sistemas que tornou públicos detalhes do sistema de vigilância global dos Estados Unidos. Vale destacar que os colêmbolos são pequenos insetos sem asas, vivem no solo, onde desempenham importante papel ecológico e podem ser bioindicadores de alterações ambientais.
Outro grupo com potencial utilização em estudos de alterações ambientais, só que em corpos de água doce, é a ordem Ephemeroptera. Insetos pouco conhecidos do público em geral, suas formas imaturas são aquáticas e os adultos, que têm vida muito abreviada, são aéreos. Em 2013, Lucas R.C. Lima (Universidade Estadual do Piauí), Rodolfo Mariano (Universidade Estadual de Santa Cruz) e Ulisses Pinheiro (Universidade Federal de Pernambuco) descreveram Thraulodes luizgonzagai (Leptophlebiidae), da Bahia e de Pernambuco. O nome da espécie é uma justíssima homenagem a um dos maiores exponenciais do nosso cancioneiro, o “Rei do Baião” Luiz Gonzaga.
Igualmente incontestáveis ícones culturais do Nordeste brasileiro, três baianos arretados, Jorge Amado, Castro Alves e Dorival Caymmi, foram homenageados pelos pesquisadores Leandro Lourenço Dumas, Jorge Luiz Nessimian (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Adolfo Ricardo Calor (Universidade Federal da Bahia). Assim, em 2013, surgiram para a Ciência Alterosa amadoi, A. castroalvesi e A. caymmii (Trichoptera: Philopotamidae), todas da Bahia. Os tricópteros também são insetos aquáticos não muito populares, embora ótimos indicadores de alterações ambientais.
Ainda em relação aos Trichoptera, em 2009 Allan P.M. Santos (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e Jorge Luiz Nessimian descreveram doze espécies de Neotrichia Morton, 1905 (Hydroptilidae) do Amazonas, todas elas nomeadas em comemoração ao cinquentenário do primeiro título brasileiro na Copa do Mundo de futebol masculino (Suécia, 1958). As espécies foram batizadas com os nomes dos onze jogadores que disputaram a partida final (Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Nilton Santos, Zito, Didi, Pelé, Garrincha, Vavá e Zagallo), além do técnico da equipe, Vicente Feola [2].
Continuando no universo do esporte mais popular do Brasil, em 2012 os pesquisadores André Nemésio (Universidade Federal de Uberlândia) e Rafael R. Ferrari (Universidade Federal de Minas Gerais) descreveram uma abelha do Ceará, Eulaema quadragintanovem (Hymenoptera: Apidae). O nome específico homenageia o jogador Ronaldinho Gaúcho que, quando de sua passagem pelo Atlético Mineiro, usava em campo o número 49. Vale destacar que, recentemente, tem se dada justa atenção à preservação das abelhas, especialmente as espécies nativas, como as do gênero Eulaema LePeletier, 1841. Outros integrantes da ordem dos himenópteros bastante populares são as formigas (Formicidae), família que, este ano, teve a descrição de Prionopelta menininha, da Bahia, Ceará e Minas Gerais. Os autores, Natalia Ladino e Rodrigo M. Feitosa (Universidade Federal do Paraná), homenagearam Mãe Menininha do Gantois, a mais famosa Ialorixá da Bahia.
Por fim, o pesquisador estadunidense Brian V. Brown descreveu um gênero e espécie novos de diminutas moscas parasitoides, coletadas no Amazonas, batizando de Megapropodiphora arnoldi (Diptera: Phoridae). O nome de gênero faz menção às grandes pernas anteriores dos exemplares estudados e o de espécie é em homenagem ao fisiculturista, ator e político austro-estadunidense Arnold Schwarzenegger.
Longe de representarem uma unanimidade entre os taxonomistas, as referências nos nomes científicos a ícones de grande popularidade podem reverter em maior visibilidade aos estudos taxonômico-descritivos, trazendo novos ares a um campo tão tradicionalmente conservador. Ao fugir do lugar-comum do padrão clássico, mas sem infringir as normas da nomenclatura zoológica, a homenagem a personalidades conhecidas pode se constituir em mais uma ferramenta de aproximação da academia científica com a sociedade, algo cada vez mais necessário.
Referências
[1] Da-Silva, E.R.; Amarante, B.E. & Coelho, L.B.N. 2016. A cultura influenciando a Ciência: nomes de animais inspirados em elementos culturais. In: Da-Silva, E.R. (ed.), IV Jornada de Zoologia da UNIRIO – Livro de resumos. UNIRIO, Rio de Janeiro, p. 14.
[2] Santos, A.P.M. & Nessimian, J.L. 2009. New species and records of Neotrichia (Trichoptera: Hydroptilidae) from Central Amazonia, Brazil. Zoologia 26(4): 758–768.
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