Agrônomo e mestre em Sistemas Costeiros e Oceânicos. É coordenador geral do Programa Recuperação da Biodiversidade Marinha (Rebimar) da Associação MarBrasil e professor na pós-graduação em Biologia Marinha pela Universidade Espírita (PR)
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Recifes marinhos naturais são estruturas constituídas de arenito, resultantes da consolidação de antigas praias, ou de formações coralíneas provenientes do acúmulo de carapaças de animais marinhos associados a crostas de algas calcárias ou de rochas naturais ou vulcânicas. Os recifes são importantes nos ambientes marinhos por oferecerem refúgio e local de reprodução e alimentação de organismos que se associam ao substrato, dando suporte e proteção à grande abundância de algas, invertebrados e peixes.
Os recifes artificiais marinhos, segundo o “European Artificial Reef Network” (EARRN), são definidos como estruturas dispostas deliberadamente no assoalho oceânico com o intuito de imitar ou simular algumas características de um recife natural. Podemos definir os recifes artificiais como um ou mais objetos de origem natural ou humana assentadas propositadamente sobre o fundo oceânico para influenciar processos físicos, biológicos ou socioeconômicos relacionados a recursos marinhos vivos. Eles representam uma tecnologia acessível e que pode ser utilizada para modificar ecossistemas aquáticos para a recuperação da biodiversidade marinha, muitas vezes impactada pela pesca de arrasto, que é altamente predatória e danosa ao ambiente marinho.
No sul do Brasil, no litoral paranaense, foi criado por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 1997 o maior projeto de recifes artificiais do país, o Projeto RAM (Recifes Artificiais Marinhos), com a instalação de mais de duas mil estruturas de concreto modulares que servem de refúgio e área de reprodução e alimentação de centenas de espécies marinhas, algumas delas ameaçadas de extinção, como o mero (Epinephelus itajara).
O sucesso desse projeto motivou pesquisadores da Associação MarBrasil (instituição de pesquisa fundada pelos idealizadores do Programa RAM) a criar, em 2008, o então projeto de recifes artificiais mais premiado do país, o Projeto Rebimar (Recuperação da Biodiversidade Marinha).
O Projeto Rebimar, que recebeu os prêmios de Objetivos do Milênio (ODM Brasil) e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS – vida na água), executado pela Associação MarBrasil, instalou na costa paranaense 5.500 estruturas de concreto, conhecidas como RRLs, recifes de recrutamento larval.
Essa ação, que tem mais de 10 anos de esforços de dezenas de pesquisadores e patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental, trouxe um incremento ambiental e social em uma área altamente degrada pela pesca de arrasto. Foi criado um corredor ecológico marinho com extensão de 12 quilômetros e com uma área de mais de 15 mil hectares de proteção contra atividades impactantes, trazendo a recuperação de espécies degradadas pela exploração da pesca predatória e servindo também para a reprodução de peixes, invertebrados e crustáceos.
Os blocos de concreto, com desenho de trevo no interior (para uma maior superfície de incrustração), foram produzidos com cimento ecológico com seu ph corrigido para beneficiar rapidamente o crescimento e a agregação dos seres marinhos, importantes para a cadeia trófica e recuperação da biodiversidade. Cada bloco pesa 120 quilos e possui 0,5 m x 0,50 m de tamanho.
O Projeto Rebimar foi o primeiro programa do Brasil a obter a licença ambiental do Ibama para a instalação de recifes artificiais marinhos. Para que isso acontecesse, foram necessários quatro anos de estudos científicos para viabilizar os trabalhos e, após a instalação, dois anos de monitoramento ambiental exigido pelo órgão licenciador.
O Rebimar trouxe dezenas de benefícios socioambientais e científicos, como o desenvolvimento de competência para licenciamento, instalação e monitoramento de estruturas artificiais para a conservação marinha brasileira, o desenvolvimento de recifes artificiais de maior efetividade para colonização marinha e de tecnologia eficiente e eficaz para recuperar a biodiversidade marinha impactada, a proteção de 15 mil hectares da pesca predatória em área berçário e de recrutamento de espécies da fauna marinha por meio de uma área de exclusão da pesca de arrasto.
Trouxe também benefícios diretos à 250 pescadores artesanais dos municípios de Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba, parceiros do projeto, e indiretamente a 950 dos municípios de Guaratuba, Paranaguá e Guaraqueçaba, além de pescadores de pequena escala de 70 comunidades por meio do incremento de recursos pesqueiros.
O Projeto também obteve reconhecimento da comunidade local quanto ao ecossistema marinho onde residem, a suas riquezas e às demandas na busca de direitos e deveres sociais e ambientais relacionados à qualidade ambiental e de vida na região, assim como a recuperação da biodiversidade em área impactada pelo arrasto, com a ocorrência mínima de 148 espécies, entre peixes, crustáceos, moluscos, cnidários, esponjas entre outros.
Ações como essa promovem a recuperação e a conservação da biodiversidade marinha e do ambiente marinho, a recuperação dos estoques pesqueiros, o incremento da economia local por meio do turismo de mergulho e da pesca esportiva, a valorização da pesca artesanal, a visibilidade para o tema da conservação marinha, a geração e a disseminação de conhecimento e a geração de empregos.
Podemos afirmar que o sucesso obtido pode ser replicado em outras áreas impactadas da costa brasileira, desde que sejam feitos estudos prévios e se obtenha o licenciamento ambiental.
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