Por Gabriela Schuck de Oliveira
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestranda junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF) da mesma instituição
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Já vimos aqui que nem todos os atropelamentos geram óbitos. Diversos animais continuam vivos e, com alguma “sorte”, são resgatados. Notícias de solturas após a recuperação de atropelamentos são comuns, apesar desses animais serem a minoria entre os atingidos por veículos, visto que dificilmente algum escapa sem sequelas e, após o contato intensivo com os seres humanos durante a recuperação, nem todos conseguem retornar novamente para a natureza.
Quando algum animal consegue, sempre é motivo de muita emoção e felicidade para todos. Porém, a falta de reflexão sobre essa situação pode nos dar a falsa impressão de problema resolvido, pois, na verdade, isso é só mais uma consequência das rodovias na vida dos animais. E esse problema ainda está muito longe de ser solucionado.
Um número grande de casos de animais resgatados é um sinal ruim, pois esses casos demonstram apenas a ponta do iceberg da problemática de atropelamentos nas nossas estradas, já que a maioria dos animais nem sequer é resgatada e muito menos contabilizada. Essa situação pode nos levar a interferir diretamente no indivíduo, mas na verdade deveríamos interferir nas ameaças daquele ambiente para não ficamos presos em um looping de resgate e soltura, justamente porque a causa que levou o resgate não está solucionada.
Realizar uma soltura de um animal atropelado é um processo extremamente complexo e custoso, que envolve o esforço de diversos profissionais. Em um cenário ideal de resgate e soltura, o animal seria solto em sua área de vida original ou habitat semelhante, as suas ameaças seriam anuladas ou mitigadas e ele seria monitorado por um determinado tempo para confirmar o sucesso dessa soltura. Mas por falta de orçamento, planejamento e excesso de casos nos centros de reabilitações, muitos animais acabam sendo soltos sem um monitoramento adequado e em locais onde possivelmente sofrerão um dano novamente. Pensando só nos danos que podem ser causados por uma rodovia, são poucos os locais que ainda não tenham influência direta ou indireta de uma estrada. Só no Brasil há uma malha viária de 1.526.600 quilômetros.
No olhar popular, principalmente pela mídia, todas as solturas são casos de sucessos. Porém, na maioria dos casos não há comprovação dessa efetividade. Isso acontece pois geralmente não há monitoramento posterior à soltura, o que pode ser frustrante para os profissionais envolvidos, pois é muito esforço para não saber o futuro daquele animal. Do mesmo modo, é também frustrante saber que não deu certo depois de tantos esforços e descobrir que um animal monitorado veio ao óbito por culpa de uma ameaça que poderia ser mitigada.
Enfim, os animais devem continuar sendo resgatados após atropelamentos e é muito importante que os motoristas avisem esse tipo de acidente. Porém, todos nós devemos compreender que a solução do problema não é realizar o resgate e recuperar aquele animal e sim que o atropelamento seja evitado para que esse processo não seja necessário. Pensar nessa questão maior pode mudar muito nas nossas atitudes como cidadãos, desde dirigir com cautela a até a nossa escolha de governo.
Não adianta comemorar a soltura de um animal e continuar dirigindo com irresponsabilidade e votando em pessoas que contribuem para o retrocesso das políticas ambientais, como o desmonte do licenciamento ambiental. Atualmente, estamos construindo um cenário cada vez mais difícil para qualquer espécie sobreviver e temos que agir rápido, tanto como cidadãos quanto como profissionais. É essencial unir diferentes áreas de conhecimento para construímos juntos um país com qualidade ambiental em que o resgate de fauna seja cada vez menos necessário.
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