Por Ingridi Camboim Franceschi
Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde é mestranda, sendo integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
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Cada dia mais, os pesquisadores descobrem novos vírus ou novas variações dos que já conhecemos, protozoários, bactérias e outros micro-organismos que vivem dentro das populações de animais silvestres. Alguns não afetam as populações nas quais estão habitualmente inseridos, como é o caso do vírus da raiva em morcegos. Contudo, outros afetam drasticamente as populações silvestres, como o vírus da febre amarela em bugios. De qualquer forma, esses e vários outros micro-organismos podem entrar em contato conosco causando sérias consequências, como é o caso do vírus da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Mas, o que os animais atropelados têm a ver com tudo isso?
Tanto carcaças quanto animais feridos podem oferecer uma oportunidade de avaliar a qualidade ambiental e as zoonoses. Por exemplo, em animais vivos, amostras de sangue, carrapatos e pulgas podem oferecer informações sobre a saúde do animal e da população. Carrapatos infectados pela bactéria Rickettsia estão presentes em populações de animais silvestres sem causar danos à saúde dos indivíduos, como graxains-do-mato e capivaras. Porém, quando entram em contato com seres humanos, podem causar a febre maculosa.
Em carcaças, a coleta de tecido muscular e de órgãos vitais – como fígado e baço – também pode fornecer informações relevantes, pois nesses tecidos fica “registrado” o histórico de contato com vírus, bactérias ou protozoários. Como é o caso dos tatus, onde amostras de fígado e baço permitem analisar e avaliar o contato com a bactéria Mycobacterium leprae, responsável pela hanseníase em humanos. Além disso, através dos órgãos das carcaças também é possível identificar a presença de substâncias tóxicas devido a ingestão de água ou plantas contaminadas e, assim, avaliarmos a qualidade ambiental da região do animal.
Um estudo com lontras-europeias mostrou que o declínio populacional da espécie na Inglaterra e no País de Gales estava associado a poluentes orgânicos, utilizados como retardadores de chama em eletrônicos, materiais de construção, plásticos, entre outros. Provavelmente, a substância chega aos rios através do descarte incorreto dos resíduos que geramos e utilizamos, seja jogando na beira das rodovias ou não os encaminhado ao local adequado de reciclagem (como pontos de coleta especificas para eletrônicos). Nesse estudo, os pesquisadores analisaram também a presença de níveis de pesticidas nos cérebros de aves, o que pode ocasionar doenças cerebrais.
Essas pesquisas são apenas amostras dos possíveis danos gerados devido a poluição ambiental estudados por meio de carcaças de animais atropelados. Além disso, o indicativo de doenças na fauna silvestre devido a substâncias tóxicas pode gerar um sinal de alerta para a nossa saúde também, como os efeitos dos pesticidas no nosso organismo, algo que já vem sendo estudado.
Vale ressaltar que as nossas atividades diárias impactam direta e indiretamente o ambiente. O descarte incorreto dos nossos resíduos, a exploração do meio ambiente (construção de estradas, desmatamento, caça, expansão agrícola, etc.) e as mudanças climáticas são apenas alguns exemplos de atividades que realizamos e que ocasionam desequilíbrio nos ecossistemas. Esse desequilíbrio favorece a proliferação de patógenos, os quais podem desestabilizar diretamente populações silvestres e ainda aumentar as chances de nós entrarmos em contato com eles, surgindo novas zoonoses e podendo gerar pandemias (como a que estamos vivendo neste momento).
Apesar de existirem esforços para evitar que animais sejam atropelados, muitos ainda acabam tendo esse fim. Dessa maneira, as carcaças encontradas em estradas ou ferrovias podem ser uma oportunidade para estudos envolvendo qualidade ambiental e zoonoses. Esses indivíduos representam um material biológico de extrema importância, servindo como um instrumento de pesquisas para saúde pública, gestão da qualidade ambiental e aproveitamento científico da espécie (como estudos com pelagem e ossos, distribuição, abundância).
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