Por Andreas Kindel
Biólogo, professor associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias da mesma universidade (NERF-UFRGS)
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Todos os técnicos da área ambiental que trabalham com rodovias ou ferrovias já foram interpelados por pessoas com a seguinte pergunta: o que dá para fazer para diminuir essa mortandade de fauna nas nossas estradas? São inúmeras as possibilidades de resposta e temos um “cardápio” bastante vasto de possíveis indicações, várias delas tratadas em alguns artigos aqui no Fauna News. Como escolher?
Propor uma solução depende da resposta a outra pergunta: por que reduzir as mortes de animais nas nossas estradas?
Eu recentemente revisei a minha perspectiva sobre potenciais razões para mitigar e gostaria de compartilhá-la com você. É importante antecipar que elas não são mutuamente excludentes, ou seja, uma razão pode ser motivada ou sustentada por outra. A ordem de apresentação não corresponde a uma hierarquia de relevância, que dependerá de um julgamento de valor que é distinto entre indivíduos, instituições e setores. A escolha ou imposição da razão para mitigar terá reflexo no tipo de ação a ser implantada e no recurso a ser aportado para a mitigação.
Se admitirmos que todos os organismos têm direito à existência (valor intrínseco), isso estabelece um compromisso ético de reduzir o número de fatalidades originadas de intervenções antropogênicas. Com base nessa justificativa, a meta será reduzir a mortalidade do máximo possível de indivíduos e espécies, já que não há hierarquia de valor entre as espécies.
Uma segunda razão para mitigar é o risco que as fatalidades representam para a persistência de populações e suas funções/serviços ecológicos. A justificativa ecológica/conservacionista implica em reconhecer espécies ou grupos de espécies alvo e, por isso, as medidas a serem escolhidas serão mais específicas e terão como meta reduzir as fatalidades dessas espécies nos locais de maior risco para as suas populações.
Existe um conjunto de normas legais que frequentemente são utilizadas em processos de imposição judicial da mitigação. Dependendo das normas evocadas, elas podem priorizar espécies ameaçadas ou o conjunto das espécies afetadas, portanto, determinando a implantação compulsiva das razões anteriores.
Cada vez mais acumulam-se evidências de que as colisões entre veículos e animais devem ser uma preocupação de saúde pública/segurança individual. Anualmente, milhares de pessoas sofrem agravos de saúde e algumas centenas de pessoas morrem nas nossas estradas em virtude desses eventos. Se essa for a razão primária para mitigar, espécies exóticas, domésticas ou não, passam também a ser importantes alvos de monitoramento e ações de mitigação pois a prioridade será impedir o acesso à rodovia de espécies de maior porte. As estratégias também serão completamente distintas, frequentemente demandando intensas ações de sensibilização/responsabilização da população humana marginal às rodovias.
Uma razão adicional, vinculada a anterior, são os imensos prejuízos econômicos individuais e às instituições públicas ou privadas envolvidas no atendimento às colisões veículos-animais. Já divulgamos aqui no Fauna News alguns estudos no Brasil que dimensionaram as perdas econômicas relacionadas às colisões com fauna, demonstrando que a implantação de medidas de mitigação compensa, também, economicamente.
Finalmente, uma razão pouco reconhecida é a repercussão sobre a reputação que a omissão ou resistência explícita na adoção de medidas de mitigação pode trazer para instituições e para indivíduos envolvidos com o tema. Quanto mais alerta a população estiver sobre essa questão e, por conseguinte, quanto maior a apropriação das razões anteriormente expostas, maior será a pressão pública e o potencial dano à imagem da instituição ou das pessoas implicadas. Em um contexto de ampliação da concessão de rodovias à iniciativa privada, envolvendo muitas vezes empresas com financiadores que demandam certificação e adesão a protocolos de sustentabilidade, tende a crescer a preocupação com a imagem e a sua eventual tradução em prejuízos financeiros em casos de omissão deliberada.
Resumindo, o que fazer para reduzir as fatalidades de fauna em rodovias e ferrovias depende das nossas motivações. Para promovermos um plano de mitigação, podemos (ou devemos) lançar mão de várias justificativas complementares. Mas é fundamental que estas razões sejam explicitamente reconhecidas, pois delas dependerá a escolha das medidas a serem implantadas e a seleção dos indicadores de sucesso.
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