Por Vitor Calandrini
Primeiro-tenente da PM Ambiental de Paulo, onde atua como chefe do Setor de Monitoramento do Comando de Policiamento Ambiental. É mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
nalinhadefrente@faunanews.com.br
Importante expandirmos uma discussão que há muito tempo envolve o tema fauna: resgate. Quais tipos de resgates que podemos identificar? Quem deve realizá-lo? De quem é essa competência? Quando o resgate pode se tornar caça? Bem, essas perguntas circulam pelos órgãos responsáveis pela tutela animal e nada mais importante do que trazê-las para o conhecimento de sociedade para que possamos, juntos, entender essa situação ainda nebulosa no dia a dia.
Acredito que antes de qualquer coisa é necessário compartilhar com você, leitor, que os animais silvestres, aqueles que vivem em vida livre, desde 1967 com a edição da Lei 5.197, “são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”. Aqui é interessante o primeiro parêntese: quando a lei explicita “Estado”, o faz em seu sentido amplo, ou seja, da administração pública em geral, e não dos Estados como unidades federativas. Sendo assim, sabemos que a competência pela tutela da fauna é do Estado e não do particular. Isso é uma definição importante, pois encerra a discussão sobre a titularidade da fauna silvestre, até mesmo sobre a que vive em áreas privadas: o proprietário da área não é “dono” dos animais silvestres em sua propriedade.
Avançando na discussão, vamos agora entender que o próprio termo “resgate” pode ter diferentes conotações. E conhecê-las é importante no debate sobre quem tem o dever de agir, por exemplo, quando um animal silvestre é submetido a maus tratos, traficado e até mesmo encontrado em situação irregular de cativeiro.
Animais nessas situações deverão ser resgatados, sendo que o resgate tem a conotação de “resgate do criminoso”, ou seja, de liberá-lo do sofrimento causado por uma pessoa física ou jurídica que, possivelmente, está cometendo um crime ou uma infração administrativa. Nesse contexto, não temos dúvidas que o “resgate” deve ser feito pelos órgãos de fiscalização (Ibama, ICMBio, policias Federal, Rodoviária Federal e Ambiental e guardas municipais), pois possuem atribuições específicas de Poder de Polícia para coibir ações de pessoas físicas e jurídicas contra o meio ambiente. Nos casos envolvendo fauna, os animais são apreendidos e encaminhados aos centros de reabilitação de animais silvestres (Cras) ou centros de triagem de animais silvestres (Cetas).
Agora vem o grande problema no resgate de fauna: quando um gambá entra no forro de uma residência ou uma coruja entra em uma fábrica, nesses casos, quem tem a atribuição de fazer o resgate? Antes de tudo, temos que verificar que animais silvestres em vida livre não entendem os limites administrativos e nem o conceito de residência. Dessa forma, se estiverem com frio ou fome e identificarem um local que forneça calor e alimento, eles instintivamente entrarão e farão do local parte de seu habitat. A fauna em vida livre só busca sobrevivência e a “invasão de animais em perímetros urbanos” pode ser consequência da própria destruição de habitat causado por ações humanas.
É nesses casos que devemos nos perguntar: a ação dos órgãos de fiscalização ambiental para capturar esses animais que chegaram lá por conta própria é resgate ou caça? Se for necessário o resgate para salvaguardar a vida humana ou animal, a ação é competência de órgãos de fiscalização, que têm como objetivo coibir ações antrópicas contra a fauna, ou de outro órgão específico do Estado a ser criado com a finalidade de agir em casos que não envolvem uma ação humana contra os animais silvestres, que inclusive poderia ter a responsabilidade de resgatar silvestres vítimas de acidentes?
A verdade é que para preencher essa lacuna, muitas vezes os agentes de fiscalização ambiental (Ibama, Policia Ambiental), que são responsáveis pelo “resgate do criminoso”, acabam realizando alguns “resgates de invasão” ou “resgates de acidentes”, mesmo não tendo responsabilidade legal para a atividade e, às vezes, carecendo de suporte técnico (medicamentos e médicos veterinários) e de materiais (escadas, gaiolas, viaturas adaptadas). Há casos em que essas atividades acabam sendo repassadas aos corpos de bombeiros, que possuem atividades específicas de preservação de vidas humanas, mas, quando possível, realizam essa atividade por saber que é a instituição que a sociedade deposita sua confiança e por terem treinamentos que podem auxiliar nessa atividade.
Diante disso, o mais importante é que as pessoas entendam que a fauna silvestre, vez ou outra, permeará áreas urbanas e que essa coabitação precisa ser entendida como um sinal de alerta, pois para isso ocorrer algo não está bem nas áreas naturais. Dessa forma, o ideia seria a criação de um órgão ou serviço específico de resgate animal, como um SAMU Animal, que tenha atribuição, materiais e treinamentos específicos para a atividade. Mas até lá, se um animal silvestre adentrar uma residência e não causar perigo iminente à vida humana ou animal, a dica é deixar livre uma saída, evitar estressar o animal e não deixar comida disponível, pois, assim como ele entrou no local, deverá retornar ao seu local de origem.
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