Bióloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e mestranda na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) junto ao Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF)
transportes@faunanews.com.br
Em um belo dia de sol, uma anta foi até uma região abundante em frutas e, passando por uma região alagada, deu de cara com uma onça. Esse encontro foi tão traumático, que ela passou a evitar cruzar por determinadas áreas alagadas, para não encontrar novamente aquele predador.
Considerando que o medo é uma emoção causada pela antecipação ou pela consciência do perigo, depois de ter um episódio traumático com um predador, um animal pode transformar essa experiência em um mecanismo de proteção: ele passa a evitar locais em que houve (ou seria possível haver) contato com seu predador, podendo afetar a interação básica predador-presa. Isso é chamado de paisagem do medo.
Pensando nessa relação, um estudo explorou algumas consequências ecológicas da paisagem do medo. Ele associou o aprendizado e as mudanças nos níveis de predação com os tipos de habitat e características do terreno, afirmando que alguns animais conseguem aprender e responder à predação.
Agora, imagine que um veículo possa ser percebido como o predador. Animais que tiveram acesso àquela paisagem e puderam reconhecê-la como ameaçadora poderiam passar a evitá-la para não se colocarem em risco.
Já um outro estudo explorou como diferentes espécies reconhecem uma estrada: alguns pausam, outros aceleram, outros evitam o contato com a estrada e existem até os que não são responsivos à sua presença. Aqueles animais que são evitadores, apresentam esse tipo de resposta por diversos fatores, mas um deles é fundamental: a quantidade de veículos. Nesse caso, podemos perceber a relação entre a percepção de medo e o comportamento de evitar aquele “predador”.
Ainda conforme o estudo anterior, alguns animais, como o urso-pardo, são mais sensíveis à presença dos carros e evitam estradas mesmo com tráfego baixo. Entretanto, existem outros que respondem somente quando a quantidade de veículos é mais alta (como algumas aves). Alguns animais (morcegos, por exemplo) até preferem percorrer caminhos mais longos do que arriscar atravessar uma rodovia. Afinal, animal não é tudo igual!
As respostas de um animal quando se depara com uma estrada são basicamente duas: ou ele tenta atravessar ou ele a evita. Tanto tentar atravessar (se essa tentativa não for bem sucedida) quanto evitar a estrada têm consequências importantes na redução das taxas de dispersão. Ou seja, os indivíduos deixam de usar áreas que usariam se aquela estrada não estivesse ali e as áreas disponíveis passar a ficar reduzidas. Quando esses animais não se dispersam, o fluxo gênico – a troca de genes entre populações – diminui, aumentando a chance de extinção local.
O medo de evitar cruzar uma estrada pode ser uma estratégia interessante para que não haja a perda daquele animal e, consequentemente, daquele material genético. Entretanto, se esses genes estão restritos a uma área, isso ainda é preocupante e pode colocar em risco aquela população que acaba ficando apenas em um lado da estrada.
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)