Biólogo, mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É coordenador do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) Tangará da Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH), em Recife, e coordenador técnico do projeto de reabilitação, soltura e monitoramento de papagaios-verdadeiros intitulado de Projeto Papagaio da Caatinga
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Os centros de triagem e de reabilitação de animais silvestres (Cetras), em sua maioria, têm por definição três tipos de formas de entrada de animais: apreensão do tráfico, entrega voluntária dos que estavam sendo criados de forma ilegal e resgate devido a acidentes, encontros indesejados ou localização de filhotes.
No caso do terceiro tipo de entrada, os resgates, temos alguns pontos bem importantes a serem discutidos dentro do tema “fauna urbana”. Principalmente porque existe uma grande parte dos animais atendidos nos Cetras que não precisariam ter entrado devido ao fato de que uma grande parte deles foram retirados dos ambientes urbanos devido a falta de conhecimento da população sobre as necessidades e o quanto aquela espécie pode ser flexível para viver em ambientes perturbados.
Quando pensamos na forma de urbanização das grandes metrópoles do Brasil e do mundo, vemos que nada foi pensado, ou nem mesmo avaliado, sobre as consequências da modificação do cenário original. E, com isso, o ambiente de várias espécies são alterados a ponto de algumas serem totalmente extintas daqueles locais ou, pelo contrário, permitindo que outras passem a viver no meio urbano da mesma forma como viviam no seu habitat natural, sem, inclusive, serem percebidas pelos homens.
Os animais dessas espécies que habitam a região urbana ou periurbana possuem hábitos de vida mais flexíveis em seu comportamento. Não podemos afirmar que essas espécies se adaptaram ao processo de urbanização, já que esse fenômeno é muito recente na história de vida dos animais no Brasil para haver uma adaptação ou evolução. O que ocorre é que espécies mais generalistas conseguem viver nesse meio e até mesmo tirar vantagens dele devido a alguns problemas da civilização humana, como a falta de saneamento básico, lixões a céu aberto, etc. – que se tornam alternativas de moradia ou fonte alimentar.
Nos Cetras existe uma tendência de aumento dos casos de recepção de animais ditos como “urbanos” nos períodos de férias, fins de semana e feriados, principalmente nos prolongados. Esses animais, em cerca de 50% dos casos, chegam sem nenhuma alteração clínica de saúde, ou seja, são resgatados sem necessidade.
Geralmente, esses animais tentam passar despercebidos no nosso dia a dia, da mesma como forma como tentar fazer com seus predadores no seu ambiente natural. Com isso, eles aparecem mais nos horários de menor fluxo dentro das residências ou nas ruas. Esse aumento de casos de animais resgatados sem necessidade em ambiente urbano se deve, principalmente, ao fato de as pessoas desconhecerem quem habita em seus quintais e na vizinhanças. Com isso, quando ficam em casa por um período de tempo maior, como é o caso de férias, feriados e, agora, na quarentena pela pandemia de Covid-19, passam a reparar na fauna urbana do seu entorno.
Diante disso, vemos que a população ainda possui o entendimento coletivo de que animais devem estar na mata e não nas cidades e que o contato ou convívio é algo nocivo a ambas as partes.
Pois é… Geralmente os encontros não são saudáveis, principalmente para os animais que são logo escorraçados, resgatados e em casos mais extremos, mais não menos comum, mortos por medo ou “precaução”. Porém, a retirada deles e a translocação para áreas naturais causam efeitos raramente dimensionados para aqueles animais e para os que vivem no ambiente onde foi feita a soltura, principalmente por envolver a questão da dominância de território, que leva em consideração não só quem é o mais forte, e sim quem conhece o local.
Pode parecer bondoso levar um animal de uma área urbana para uma com vegetação conservada, mas ele pode não conseguir ter a mesma destreza que tinha em seu antigo lar ou, até mesmo, se dar tão bem a ponto de expulsar os que ali já existiam. Isso sem falar em doenças, já que cada um tem seu perfil sanitário equilibrado ao seu ambiente de vivência.
Dessa forma, fica claro que hoje não ocorre uma mera questão de reivindicação de espaço ou mesmo um aumento de reprodução devido ao processo de quarentena. A cada dia, nossa fauna está sem espaço para viver e os animais das poucas espécies que são mais generalistas no seu habito de vida estão tentando sobreviver e perpetuar nesse novo modelo imposto a eles pela forma nociva e desorganizada de ocupação e desenvolvimento econômico promovido pela humanidade.
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