O concurso material nos crimes contra a fauna

Inicialmente, gostaria salientar que é com grande tristeza que escrevo este último artigo, pois o portal Fauna News encerrará suas atividades por dificuldades de apoio – mesmo tendo pessoas e conteúdo espetaculares, sempre na direção das várias vertentes da nossa gigantesca fauna silvestre. Por outro lado, me sinto altamente satisfeito com as ideias, fatos e vivências que tive a oportunidade de trazer aqui, desde setembro de 2023.

Obrigado, Dimas. Como já havia relatado lá no meu primeiro texto, ser convidado para escrever aqui considero que foi o primeiro reconhecimento de meu trabalho. Tenho certeza de que será apenas uma pausa e, em breve, continuaremos a desagradar os especialistas ferramenteiros de animais.

Quero abordar aqui da questão do “concurso material” e do “concurso formal” dos crimes contra a fauna. O objetivo não é aprofundar o debate em fundamentos teóricos, conceitos ou princípios jurídicos, mas trazer os fatos do que está acontecendo. Atualmente, penso que estamos vivendo uma virada de comportamento, o que é muito bom para os animais silvestres e extremamente ruim para quem os maltratam, os caçam, os aprisionam e os exploram sem respeitar sua individualidade e bem-estar.

Costumo dar o seguinte exemplo, que vejo como óbvio… Consideremos três casas:

• Casa 1: morador com um pássaro criado ilegalmente.
• Casa 2: morador com 10 pássaros ilegais.
• Casa 3: morador com 50 pássaros ilegais.

Alguém acha que eles devem responder na mesma intensidade e proporção estando de posse de números diferentes de pássaros ilegais? Pessoalmente, vejo de maneira convicta que não! Quem tem um pássaro não pode responder na mesma medida de quem tem 50, concordam? Sinceramente, não observo isso nem como uma tese jurídica, mas sim como uma questão de raciocínio lógico.

Porém, não é assim que acontece. Aliás, havia uma uniformização no tratamento desses casos, mas esse panorama mudou e vem mudando. Sempre têm chegado ao meu conhecimento mais e mais notícias de que flagrantes de crimes contra animais silvestres têm sido lavrados pelas autoridades policiais com o “concurso material” – ou seja, a lavratura se dá em razão do número de animais apreendidos. Parabéns para esses servidores! Vocês estão fazendo uma grande diferença; estão salvando animais e praticando uma punição efetiva a criminosos que cometem essas crueldades contra animais.

Resumidamente, para o nosso caso aqui, o “concurso formal” é quando alguém é pego com vários animais (um, cem ou mil animais) e a quantidade não faz qualquer diferença, pois o registro do caso só abarcará uma ou duas simples condutas relacionadas aos artigos 29 (condutas envolvidas no tráfico de fauna e na caça) e/ou 32 (maus-tratos) da Lei 9.605/1998. Isto é, será elaborado em termo circunstanciado para crimes considerados de menor potencial ofensivo, em que as penas não são somadas pela quantidade de animais. Como sempre acontecia, o traficante de fauna que estava com 400 animais dentro de um carro, era conduzido para delegacia e respondia na mesma intensidade daquele cara que tem um passarinho de gaiola em casa. Um absurdo sem tamanho.

Já o “concurso material”, quando aplicado, é muito mais rígido, proporcional e justo, pois o número de animais ilegais flagrados com o criminoso é o que vai balizar a atuação dos policiais. Ou seja, o vagabundo que foi pego com 400 animais vai responder pelos mesmos artigos 29 e 32, mas a pena prevista é multiplicada pelo número de bichos apreendidos e/ou maltratados. Nesse caso, ele seria indiciado 400 vezes pelo artigo 29 e/ou 400 vezes pelo artigo 32 (800 indiciamentos), fora a possibilidade de haver outros crimes envolvidos como receptação qualificada, associação/organização criminosa e outros.

A Lei 9.605/1998 prevê como punição base no caso de condenação pelo artigo 29 a detenção de seis meses a um ano e multa. Os maus-tratos, que fica no artigo 32, o apenamento colocado é de detenção de três meses a um ano e multa.

Pioneirismo da PF fluminense

Nós, da Delegacia de Meio Ambiente da Polícia Federal no Rio de Janeiro (DMA/SR/PF/RJ), pelo que tenho conhecimento, fomos os primeiros a realizar esse procedimento autuando o criminoso pelo “concurso material”. Isso aconteceu em dezembro de 2023, quando houve um flagrante e as autuações se somaram pelo número de animais apreendidos e maltratados e pela quantidade de anilhas e documentos falsos apreendidos. O detido foi indiciado 99 vezes e foi pedida sua prisão preventiva. O Ministério Público Federal e o Poder Judiciário não só ratificaram as condições flagranciais, como a prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva.

Muitas pessoas defendem mudanças nas leis dos crimes contra a fauna. Penso que temos que ter muito cuidado nessa avaliação. Eu não concordo que as leis são fracas e vejo que, quando aplicamos o “concurso material”, elas se mostram extremamente justas e proporcionais.

Se sua aplicação já estivesse sendo realizada desde a promulgação da lei, lá em 1998, com certeza a situação seria bem diferente. Por que as multas administrativas sempre foram aplicadas e somadas pelo número de animais e na área criminal isso não vinha sendo feito? A consolidação dessa tese (podem fazer cara feia) é um caminho sem volta, pois é o correto; o óbvio.

Isso não quer dizer que não devemos debater o aprimoramento das leis, mas temos que ter cuidado para que a mudança não vire um tiro no pé.

Finalizo afirmando não ser verdade que os traficantes de animais não ficam presos. Eles ficam sim, até mesmo porque quem está transportando centenas de animais de um Estado para outro faz parte de uma cadeia criminosa que se inicia lá com as pessoas que caçam, passando pelas que armazenam, as que receptam, terminando com quem vende o produto criminoso para ganhar um dinheiro sujo – que também tem caráter ilegal e não tem como ser justificado, somente lavado.

A união dessa cadeia de crimes e pessoas criminosas é associação/organização criminosa. Em breve, vocês terão notícias e exemplos práticos disso. Eles vão trocar de lugar com o passarinho que colocam nas gaiolas, pode ter certeza.

Até a próxima, Fauna News e Dimas Marques. Seu espírito nunca vai morrer. Vocês fazem parte da minha história, fazem parte da nossa luta, que não tem lado político, mas sim argumentos sólidos e o objetivo de garantir a liberdade e o direito dos animais em suas individualidades. Isso será só uma pausa, pois pode acontecer de tudo, mas a única coisa que não vai acontecer é desistirmos. NÓS NUNCA VAMOS DESISTIR!

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