Storytelling na fotografia de vida selvagem

Em um dos meus últimos artigos, comentei brevemente sobre o conceito de storytelling e sua importância para a fotografia de conservação, mas acredito que deixei uma pequena curiosidade sobre o tema. Portanto, neste texto decidi me aprofundar um pouco no assunto e compartilhar algumas técnicas interessantes para nossa área da fotografia.

Como sua própria tradução nos revela, storytelling é a habilidade de contar histórias com o objetivo de cativar e conectar o público com a narrativa, além de transmitir uma mensagem desejada. Essa técnica é utilizada com frequência em praticamente todas as formas de arte: cinema, literatura, teatro, pintura, música e, claro, fotografia.

Apesar de o termo ser recente, o storytelling esteve presente desde os princípios da nossa espécie e até de outros hominídeos (como os neandertais) como uma estratégia de sobrevivência. Através do compartilhamento de experiências, pinturas rupestres e outras formas de comunicação, nossos ancestrais alertavam as próximas gerações sobre os perigos que deveriam ser evitados e ensinavam técnicas valiosas (caça, agricultura, construção etc.) que não podiam ser perdidas ao longo do tempo.

Assim como os seres vivos, esse conceito foi evoluindo e se adaptando. Atualmente, também podemos vê-lo sendo utilizado de forma mais “moderna” em nossa sociedade, como em campanhas de marketing e publicidade e até na criação de conteúdo dos mais diversos influenciadores digitais.

Já na fotografia de fauna, o storytelling pode ser aplicado em alguns “níveis”. Creio que, assim como eu, a maioria dos fotógrafos de natureza começaram apenas registrando as espécies, isto é, capturando imagens com o único objetivo de conseguir identificar os bichos (o famoso apontar a câmera e clicar). Nesses casos, a ideia de contar uma história ao espectador está praticamente ausente, já que a foto “é o que é”.

O próximo degrau é quando começamos a expandir um pouco nossa visão e incluir elementos que agreguem ao contexto geral da imagem para criar pequenas narrativas. Mostrar um comportamento do animal, seu hábitat, suas interações com outros indivíduos ou espécies etc., ajuda a descrever e detalhar melhor o seu assunto, gerando mais compreensão e curiosidade no público.

O estágio mais complexo de storytelling está frequentemente associado com a fotografia de conservação, tema que discuti recentemente em um artigo aqui da coluna. Neste, o objetivo costuma ser transmitir mensagens impactantes ao espectador através de histórias mais estruturadas, as quais são construídas por imagens (ou um conjunto delas) milimetricamente pensadas e capturadas por fotógrafos talentosos. Os enredos podem, inclusive, ser um pouco mais subjetivos e até implícitos, com o intuito de causar reflexão e provocação.

Mas então, como contar essas histórias na fotografia de vida selvagem? Apesar de não ser uma lista de regras, existem algumas técnicas consolidadas de storytelling que costumam ser popularmente reproduzidas, como “a jornada do herói” (protagonista sai em uma jornada e supera dificuldades/oponentes) e “a montanha” (semelhante à jornada do herói, mas que pode não terminar em um final feliz), muito utilizadas por filmes, séries, contos, músicas etc.

Abaixo, vou listar algumas das técnicas que possam ser interessantes para contextualizar e enriquecer nossas fotos de animais.

Sobreposição de narrativas

Consiste em acompanhar sua história principal com algumas outras paralelas, desde que estas agreguem à ideia central. Essa técnica pode ser muito valiosa para fotógrafos que estejam planejando a construção de um conjunto de fotos que conversem entre si. Por exemplo, um projeto cujo objetivo é ressaltar a importância da conservação de uma espécie: a história central pode girar em torno da principal ameaça (caça, desmatamento etc.), enquanto é apoiada por temas secundários como a relação do animal com as comunidades locais, suas características biológicas e ecológicas, o trabalho de profissionais que estão lutando contra os problemas, entre outros.

Sparklines

Essa estratégia é baseada fortemente no contraste, considerando que ela é utilizada quando queremos mostrar como alguma coisa poderia ser otimizada através de mudanças. Em poucas palavras, a história começa com a exposição de uma situação atual (que geralmente não é ideal) e se desenvolve mostrando como ela poderia ser melhorada ou até resolvida. Portanto, é possível encaixar a sparklines em conjuntos de fotos que abordam o status atual de alguma espécie/população ameaçada (com imagens mais tristes e realistas) e contrastá-lo com registros do animal vivendo de forma saudável e livre em seu hábitat natural, como deveria ser.

In Media Res

Apesar do nome complicado (significa “no meio das coisas”, em latim), o conceito é simples e se resume em começar a história no seu clímax ou em um grande acontecimento para chamar a atenção do público, mas sem revelar totalmente o desfecho ou o enredo. Trabalhando com vida selvagem, fotos de ação são o que não faltam. Dependendo do objetivo do fotógrafo, o segredo é omitir alguns detalhes para que o espectador possa criar suas próprias narrativas sobre a cena (como o animal chegou nessa situação? Como ele vai sair dela? Qual a chance disso acontecer? etc.).

Outras dicas

Vou deixar mais algumas dicas simples e específicas para fotografia de fauna, boas para treinar antes de começar a utilizar as técnicas mais complexas acima.

• Muitos animais são bem expressivos. Às vezes um simples retrato é capaz de contar muitas histórias por trás daquele indivíduo, bastando esperar o momento certo do clique.
• Assim como vimos no In Media Res, não tenha medo de esconder elementos da foto. Cada pessoa tem sua própria maneira de interpretar arte e é possível explorar isso deixando algumas lacunas para ela mesmo preencher com sua imaginação.
• Estude técnicas de composição que valorizem o significado da imagem. O ângulo em que a foto foi tirada, o espaço de respiro, as cores, a iluminação etc. influenciam bastante as sensações que são transmitidas.

Reforço que nada disso é uma regra, só um grande esqueleto e alguns exemplos para servirem de base. Grande parte da mágica do storytelling reside na criatividade de cada autor, então sugiro explorar e criar novas variações para evitar cair na repetitividade.

Para terminar, quero abordar rapidinho em que circunstâncias podemos contar essas histórias. Como nem todos os fotógrafos de natureza têm a oportunidade de participar de exposições e concursos, publicar em revistas e outras mídias etc., temos uma opção um pouco mais democrática: as redes sociais. Pessoalmente, considero os carrosséis do Instagram como uma das melhores ferramentas para aplicar o storytelling, já que neles é possível selecionar a quantidade de fotos e ordená-las como quiser, além de poder acompanhá-las com um texto de apoio.

É sempre difícil, na verdade quase impossível, cobrir 100% de um assunto em um único artigo, mas espero que este tenha sido suficiente para introduzir o conceito de storytelling e incentivar você a aplicá-lo nas suas fotos. Em minha experiência, foi quando comecei a pensar em pequenas narrativas por trás das minhas imagens que passei a gostar mais dos resultados e reinventar meu estilo. Obrigado pela leitura e até mais!

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