Por Fernanda Zimmermann Teixeira
Bióloga, mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pós-doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia e integrante do Núcleo de Ecologia de Rodovias e Ferrovias (NERF), ambos da UFRGS
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Estradas são responsáveis por vários tipos diferentes de impactos em ambientes aquáticos e terrestres, como temos explorado nos textos desta coluna nos últimos anos. Quando trafegamos em uma estrada, o impacto que normalmente mais chama a atenção das pessoas é o atropelamento de fauna, que tem sido bastante estudado e é alvo da instalação de medidas mitigadoras. Porém, quando uma nova estrada é construída num local com vegetação nativa, ela é responsável por muitos outros impactos diretos e indiretos que podemos não perceber à primeira vista.
O impacto mais danoso da construção de uma nova estrada é indireto: a conversão de áreas de vegetação nativa em ambientes antropizados, sejam pastos, plantações ou aglomerações humanas, como já falamos aqui. Ou seja, quando construímos uma nova estrada, estamos abrindo uma nova fronteira para ocupação humana e mudança no uso da terra. Há décadas estudos vêm mostrando como a construção de estradas pode ser devastadora, especialmente em áreas tropicais ainda conservadas e com alta diversidade de espécies.
Por exemplo, um estudo sobre a relação entre estradas e desmatamento na Amazônia encontrou resultados alarmantes: 95% de todo o desmatamento ocorreu até 5,5 quilômetros de distância de estradas e um quilômetro de rios. Ainda, esse estudo aponta que quando havia áreas protegidas próximas das estradas, o desmatamento era bem menor. Todo esse desmatamento e mudança no uso da terra significam perda de habitat para as espécies que lá ocorrem, com a consequente diminuição de populações, isolamento, extinções locais, resultando em perda de biodiversidade. É bom lembrar que a conservação da biodiversidade também é importante para aumentar a nossa qualidade de vida e, até mesmo, para evitar novas pandemias.
Mas o que há de novo agora?
Outro estudo fez uma análise que vai além do impacto ambiental da abertura de novas estradas. Esse estudo analisa também os impactos sociais e econômicos de 75 projetos de novas estradas na Amazônia. Esses projetos totalizariam 12 mil quilômetros de novas rodovias no Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Um centro de pesquisas da James Cook University, que trabalha com os impactos causados pela construção de estradas em regiões tropicais, fez um vídeo abordando esse estudo.
https://youtu.be/9KQSPVS9xlg
Além de demonstrar que todos esses 75 projetos de novas rodovias vão impactar negativamente o ambiente, o mais impressionante desse novo estudo foi demonstrar que 45% deles também causarão perdas econômicas! Ou seja, será mais caro construir essas rodovias do que os benefícios econômicos que elas trarão para a sociedade.
Esses prejuízos econômicos identificados para quase metade dos projetos consideram apenas questões econômicas diretas geradas pelas estradas, sem considerar externalidades sociais e ambientais, que seriam outros prejuízos que acabam ficando para a sociedade como um todo. Se os projetos que não gerarão benefícios econômicos fossem cancelados, um total de US$ 7,6 bilhões de gastos em infraestrutura seriam economizados e o desmatamento de mais de um milhão de hectares seria evitado. Mas, mesmo havendo a previsão tanto de perdas econômicas quanto de impactos sociais e ambientais para uma grande parte dos projetos, eles seguem sendo prioridades de governo.
Normalmente, nós assumimos que novas rodovias irão trazer benefícios econômicos e isso não é muito questionado. Não questionamos o governo (que normalmente é o empreendedor e quem define quais rodovias devem ser construídas) sobre quais os benefícios previstos com a construção de uma estrada. Somente quando tivermos informações sobre quais serão os benefícios previstos é que poderemos avaliar se os prejuízos sociais e ambientais serão aceitáveis. Para muitas das estradas propostas não foram feitas análises de viabilidade econômica e raramente os impactos socioambientais são adequadamente avaliados. Se uma estrada não irá trazer benefícios, ela não deveria ser construída, mesmo que os impactos ambientais e sociais previstos sejam baixos, logo essa deveria ser a primeira questão a ser confrontada numa avaliação de impactos.
Levar a conservação da biodiversidade e as questões sociais a sério não significa abrir mão do desenvolvimento, mas é preciso investir e cobrar que sejam feitas análises rigorosas para direcionar a tomada de decisão sobre a rede de rodovias.
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