Por Daniela de Almeida
Veterinária e agente da Polícia Federal
nalinhadefrente@faunanews.com.br
“Número de animais silvestres apreendidos em rodovias federais dispara em 2019”. Esse foi o título da matéria veiculada pelo Jornal Nacional do dia 14 de dezembro de 2019. A matéria mostrou a grande quantidade de animais silvestres apreendidos e a dificuldade encontrada por um Cetas (centro de triagem de animais silvestres), vinculado ao IBAMA, nos cuidados e reabilitação.
Mas, aí vêm os questionamentos: o que aconteceu com os criminosos? Quantas prisões ocorreram? O número de prisões também disparou? A responsabilidade de arcar com as despesas da reabilitação desses animais recaiu sobre quem? Qual a pena que os criminosos sofreram?
Importante salientar que algumas dessas apreensões ocorreram com o mesmo criminoso, ou seja, a mesma pessoa foi flagrada pela Polícia Rodoviária Federal mais de uma vez, no mesmo ano, transportando grandes quantidades de animais silvestres de forma ilegal.
O que se pode concluir desses fatos? Primeiro, que a nossa legislação ambiental não tem efeito punitivo e muito menos educativo; segundo, que o ônus dos cuidados desses animais recai 100% para o Estado; e terceiro, arrisco-me a dizer, que apreensão sem a devida punição só agrava o tráfico.
Um crime em que a reincidência é recorrente deixa claro a ineficácia da lei. Uma legislação que faz com que o criminoso apenas assine um papel, responsabilizando-se a comparecer à Justiça e pagando, no máximo, algumas cestas básicas não tem efeito punitivo algum. O infrator não tem a sensação de ter cometido crime e apenas sente o prejuízo de ter perdido a sua mercadoria. Esse termo mercadoria pode incomodar algumas pessoas, afinal trata-se de vidas, mas saiba que o traficante enxerga esses animais dessa forma, referindo-se normalmente a eles assim nas negociações de venda.
Uma das consequências inaceitáveis pós-apreensão é a de o criminoso não ser obrigado a arcar com as custas da reabilitação desses animais. O Estado deseduca ao puxar para si toda a responsabilidade de cuidar e devolver os animais apreendidos à natureza. É como se “passasse a mão na cabeça do infrator”. Em que momento ele vai sentir o peso do seu ato se, além de não ser punido, não pagar pela reabilitação?
A polícia é quem tem a primeira responsabilidade de cuidados. Enquanto o transgressor vai para casa, a equipe policial fica responsável pelos primeiros socorros até esses animais chegarem a um centro de triagem. Observe-se que, na maioria das vezes, as abordagens e apreensões ocorrem na madrugada e, como os Cetas ficam a muitos quilômetros do posto policial, além dos primeiros cuidados, os policiais ainda precisam percorrer uma distância considerável com esses animais até a entrega ao Ibama, mesmo extrapolando o seu turno de trabalho. Enquanto isso, o transgressor já está em sua casa descansando.
Apreensão dos animais sem uma punição severa acaba, de alguma maneira, fomentando mais ainda o tráfico na medida em que o criminoso apenas tem sua mercadoria retida, tendo unicamente uma perda monetária parcial, permanecendo em liberdade para prosseguir na sua ação indevida. Inseridos na renda que iria obter com a venda dos animais estão as despesas com o aluguel do carro, o combustível, o pagamento aos fornecedores (capturadores de animais), a ração, que são despesas prévias que seriam pagas após a venda do seu produto.
Em nenhum momento, observa-se no criminoso o medo de ser preso. Apenas o inconformismo momentâneo pelo prejuízo da perda de sua mercadoria, pois ele tem a certeza de que o lucro auferido acaba sendo muito maior do que eventuais prejuízos que venha a ter pela apreensão dos animais.
Por melhor que seja o trabalho policial, em função de variados fatores, é muito difícil dar conta das diversas situações irregulares nessa área. Assim, muitos traficantes acabam não temendo a abordagem policial e outros tantos decidem reincidir nessa ação delituosa, até como forma de compensar o prejuízo que tiveram numa apreensão de que tenham sido alvo.
Em resumo, temos duas situações: a não apreensão e a apreensão mais esporádica desses animais. A não apreensão constitui a ausência absoluta de Justiça, quando o Estado não consegue agir e interromper a ação dos traficantes. Já a apreensão esporádica, por resultar numa perda apenas da “mercadoria”, sem a obrigação de ressarcimento ao Estado e, principalmente, sem a privação de liberdade, acaba sendo tão deletéria quanto a não apreensão. Pior: o infrator se sente estimulado a reincidir na prática delituosa pela “punição” suave e pela necessidade de compensar a perda de parte da renda na retenção do seu “produto”. Ou seja, o traficante acaba intensificando sua atividade criminosa para compensar o prejuízo financeiro ocasionado pela apreensão dos animais.
Para a natureza, a segunda situação chega a ser até mais prejudicial, pois esse transgressor volta ao espaço natural para capturar mais animais, na ganância de minimizar o seu prejuízo.
Desse modo, considerando-se que já foi positivada, entre outras, a proibição do tráfico de entorpecentes, de armas e de pessoas, é urgente a discussão acerca de uma legislação que realmente sirva como forma de desestimular as práticas do tráfico e do comércio de animais silvestres, que tantos danos têm causado à nossa natureza.