Pesquisadores descobrem espécie de peixe na ilha da Trindade (ES)

Na ilha da Trindade, que se encontra a aproximadamente 1.160 quilômetros da costa do Espírito Santo, cientistas especializados em biodiversidade e evolução de peixes recifais descobriram uma nova espécie do gênero Acyrtus (Gobiesocidae), conhecida popularmente como peixes-ventosa. Uma equipe formada por pesquisadores do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal do Espírito Santo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da California Academy of Sciences foi responsável por organizar mais uma remessa de estudos no arquipélago, dando continuidade a trabalhos iniciados em 1995.

O pesquisador João Luiz Gasparini foi um dos primeiros ictiologistas a explorar a ilha com intuito de iniciar a descrição de novas espécies encontradas na região. A Marinha do Brasil foi uma das maiores contribuidoras desde o início das expedições do cientista e equipe ao arquipélago. A nova espécie descrita, o Thiony´s cling fish ou peixe-ventosa de Thiony, é endêmica, ou seja, é nativa e só é encontrada na região.

“A maior dificuldade que enfrentamos durante o processo de pesquisa foi a logística, o que é frequente quando se quer trabalhar em ilhas oceânicas. O acesso se torna bem limitado. Temporariamente, a pandemia do Covid-19 também foi um obstáculo”, cita Gasparini, biólogo graduado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Descrição do peixe
Quatro espécies da linhagem Acyrtus já eram conhecidas pelos cientistas: três delas encontradas no Caribe e a outra no arquipélago de Fernando de Noronha e no Atol das Rocas, em território brasileiro. Esse gênero é especificamente composto por peixes criptobênticos, ou seja, seres de porte pequeno, com tamanho abaixo de 15 centímetros, e que vivem em um hábitat formado por cavidades recifais, permanecendo a maior parte do tempo sobre o fundo. Porém, durante os estudos conduzidos por essa mesma equipe de cientistas, foram descobertas duas novas espécies de peixes que ainda não haviam sido descritas. Uma delas foi identificada na ilha da Trindade, onde foram coletadas oito amostras de peixes por meio da utilização de redes de mão, em junho de 2009.

“Atualmente, há diversas ferramentas de estudos genéticos e moleculares que facilitam entender a origem das espécies. Um exemplo seria os relógios moleculares, que informam quanto tempo de evolução existe entre duas espécies aparentadas. Há também técnicas vindas da pesquisa forense, que permitiu a popularização do estudo de DNA e nos proporcionou um banco de dados genéticos, colaborando a chegarmos ao parentesco ou origem dos peixes”, diz o biólogo.

Entretanto, para descrever a nova espécie, Acyrtussimon, os pesquisadores se basearam na metodologia da taxonomia tradicional. “A taxonomia é a chave-mestra para abrir a caixa de pandora da biodiversidade. Ela é a ciência mais pura que existe. É uma área que nos faz estudar inúmeras características de inúmeros seres. Quanto mais riqueza você tem num sistema, é ainda mais importante preservá-lo. A conservação está sempre de mãos dadas com a taxonomia. Aliás, ela faz crescer cada vez mais o número de espécies, apesar da destruição ambiental tão presente. Mas trabalhos relativos à taxonomia não são tão valorizados quanto deveria. Existem raríssimas fontes de financiamento para estudos em torno dessa área”, diz o pesquisador, especialista em taxonomia e conservação.

No estudo, os pesquisadores concluíram que o Acyrtus está ligado diretamente com um gênero específico do oceano Pacífico oriental, chamado Rimicola Jordan & Evermann. Durante os mergulhos, foram recolhidas evidências de que essa espécie possui pouca variabilidade genética, consequência de um baixo crescimento populacional. Em razão da baixa possibilidade disseminativa para outras regiões, o que favorece o isolamento geográfico, essa família pode ter alta diversificação de espécies. Ao mesmo tempo, seu restrito alcance populacional e a possível degradação do hábitat se torna uma das preocupações em relação à vulnerabilidade da espécie.

“Equipamentos e técnicas são o que não faltam no campo da biologia, principalmente com o avanço da tecnologia. Existe uma técnica denominada DNA ambiental, em que se coleta a água e, numa série de experimentos amostrais e sequenciamento genético, se obtém quais espécies tiveram contato com aquela água. Mas o pesquisador precisa se exercitar lendo, estudando livros. Na área marinha, por exemplo, precisa-se saber de histologia, morfologia externa dos peixes, analisar peixes preservados… É necessário ter conhecimento e uma memória fotográfica diante uma pesquisa. Mas, claro, é essencial que se tenha uma redundância de equipamentos”, diz Gasparini.

A família de peixes Gobiesocidae não possui evidências fósseis válidas e fundamentadas o bastante, o que ocasiona dificuldades para os cientistas explorarem mais profundamente a evolução histórica dessa linhagem. Mesmo assim, eles ainda puderam estimar que seu surgimento é compatível com a maioria das famílias de peixes recifais, ocorrendo a cerca de 66 e 34 milhões de anos atrás. Segundo os autores, as linhagens anteriores de Gobiesocidae podem ter sido originadas no mar de Tétis (região onde hoje é o mar Mediterrâneo), dispersando posteriormente para os oceanos Pacífico e Atlântico. As espécies de Gobiesocidae estão distribuídas em água doce, salobra e áreas costeiras, em regiões tropicais e subtropicais.

“Ilhas oceânicas podem ser consideradas ambientes únicos, com climas e características singulares, que ocasionam o surgimento de espécies endêmicas e exclusivas dali. A especiação, que é o processo de diferenciação e origem de espécies, pode ocorrer em uma mesma região, mas em ambientes diferentes”, diz o pesquisador. “Há regras muito bem estabelecidas para se dar o nome a uma espécie. Inclusive há um comitê de nomenclatura zoológica, que é bem ativo e possui muitas regras publicadas. Geralmente, o gênero se usa em grego e a espécie em latim, mas atualmente se usa outras linguagens também para se dar nome aos seres. Eu geralmente dou prioridade a usar a língua tupi para nomear espécies brasileiras”, cita o biólogo.

“Trindade é praticamente a nossa Galápagos, é de uma diversidade imensurável. E essa ilha ainda vai dar muito material a outros pesquisadores”, concluiu Gasparini.

Referência
– QUINTÃO, Thais L et al. Recent dispersal and diversification within the clingfish genus Acyrtus (Actinopterygii: Gobiesocidae), with the description of a new western Atlantic species. Neotropical ichthyology, v. 20, n. 3, 2022.

Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)