Prefeitura de São Paulo cuida de aves criadas com crueldade

A Divisão da Fauna Silvestre da prefeitura de São Paulo recebe praticamente todos os dias psitacídeos (grupo de aves que inclui periquitos, papagaios e araras) oriundos de entrega voluntária. Os motivos são diversos: morte do “dono”, impedindo que outras pessoas consigam cuidar; brigas com os vizinhos, que ameaçam denunciar a posse ilegal da ave; resgate em via pública, fruto de fuga ou soltura indevida, ou de ave ferida, que, uma vez tratada pelo munícipe, é entregue para reabilitação.

A grande maioria dessas aves é manejada da forma mais inapropriada possível — mesmo que o “dono” acredite que está dando o melhor dos cuidados em cativeiro. O resultado desse convívio são estereotipias de fala e vocalizações, movimentos de cabeça e corpo, arrancamento de penas, lesões causadas por poleiros inadequados e problemas relacionados à má alimentação (muitas vezes composta apenas por sementes de girassol). Fatores que muitas vezes dificultam a reabilitação e aumentam o tempo de permanência dos indivíduos nos centros de triagem e de reabilitação de fauna (Cetras).

Tais problemas são conhecidos, fazem parte do dia a dia da lida com essas aves. Entretanto há casos em que as condições de bem-estar são absolutamente inaceitáveis; casos em que as aves são meros objetos ornamentais e que, muitas vezes, são entregues voluntariamente por outros familiares que não concordam com a condição de vida do animal. São casos que provocam revolta, mesmo para quem trabalha há anos no recebimento de silvestres em péssimas situações.

Arara debaixo da escada
É o caso da arara-canindé (Ara ararauna) entregue em junho de 2020 por um familiar do responsável pela ave. Ela foi mantida por mais de 30 anos em um “recinto” improvisado, embaixo da escada da residência, sem poleiros, sem iluminação suficiente e vinha sendo alimentada com o que havia à disposição no momento, incluindo arroz e feijão. A limitação de espaço durante tantos anos fez com que essa ave demorasse meses para explorar o recinto em que foi inicialmente alojada e que permanecesse em frente ao comedouro praticamente 24 horas por dia, mesmo com a presença de outros indivíduos da mesma espécie. Nunca pareou, nunca voou e, após dois anos e oito meses na reabilitação, foi destinada a um cativeiro.

Outra arara-canindé, recebida em setembro de 2020, foi entregue pelo filho da “dona” que havia falecido, alegando que o animal precisava de cuidados veterinários que ele não poderia oferecer. A ave chegou em uma situação degradante. O empenamento estava destruído: penas ausentes, com canhões ou quebradas. Apresentava graves sintomas neurológicos, cogitando-se a hipótese de manifestação clínica da “doença do bico e das penas” (circovírus), o que foi confirmada por exames moleculares. Foi necessária a eutanásia.

Mais recentemente, um papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) foi resgatado por um familiar do “dono” após constatar as condições em que o animal vivia: habitava uma gaiola minúscula e imunda, com poleiro de ferro. O animal passaria um feriado de quatro dias nessas condições, uma vez que o “dono” fora viajar.

Entregue aos cuidados da Divisão da Fauna, foi constatado um grau de caquexia (perda de massas muscular e óssea e de gordura) tão severo, que foi o estímulo para que se abordasse o assunto neste artigo.

Crueldade com animais
Mantidas nesses cativeiros domésticos, essas aves são tratadas com negligência, tidas como um objeto, mantidas sem o menor respeito. Retiradas ilegalmente da natureza, são afastadas do convívio com pais e do seu papel no ambiente natural para serem jogadas em uma gaiola, totalmente dependentes de “cuidados”, que não são minimamente oferecidos. Não é possível aceitar que esses animais continuem a ser vendidos ilegalmente aos montes para atender a demandas fúteis de posse, que não valorizam o indivíduo.

O papagaio permanece em quarentena, inicialmente para verificar se é portador de doenças de importância para a saúde humana e a conservação da espécie. Não há como garantir qual será o seu futuro. Mas por tudo que essa ave tem sofrido, o maior desejo é que ela tenha sucesso na reabilitação e que possa retornar, em breve, à vida livre.

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