Por Elidiomar Ribeiro da Silva
Biólogo, mestre e doutor em Zoologia. Professor do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), responsável pelo Laboratório de Entomologia Urbana e Cultural
invertebrados@faunanews.com.br
Há pouco mais de uma semana, precisamente no domingo 8 de janeiro de 2023, o Brasil assistiu, atônito, a um dos mais tristes episódios de nossa jovem democracia. Golpistas, considerados terroristas e nazifascistas por muitos especialistas, tomaram de assalto a praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). Eles invadiram os prédios que simbolizam o poder tripartite da República Federativa do Brasil: o Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo; o Congresso Nacional, sede do Poder Legislativo; e o Supremo Tribunal Federal, sede do Poder Judiciário. Prédios que, diga-se de passagem, são tombados, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) [1].
Esses vândalos, apoiadores do governo finado em 2022, destruíram obras de arte históricas e outros patrimônios públicos, agrediram forças oficiais e promoveram toda sorte de crimes contra a lei e a ordem institucional. Tudo fartamente comprovado pelos próprios vândalos, que, de modo não muito inteligente, postaram à vontade nas redes sociais fotos e vídeos de seus próprios crimes.
A cada nova imagem mostrada pela imprensa, aumenta a indignação por parte da parcela minimamente sensata da população brasileira, chegando à beira de gerar um sentimento de revolta. Revolta com a destruição insana, com o desrespeito às artes e à cultura, com o imenso dano econômico e com a própria pauta golpista em si. Diante disso, é legítimo se clamar por uma punição rigorosa, exemplar e pedagógica aos golpistas, tanto os que meteram a mão na massa quanto os do submundo – prevaricadores, coniventes, incentivadores, insufladores, patrocinadores, cúmplices e, principalmente, mentores intelectuais.
Toda essa corja tem que pagar pelos crimes, mas, é bom frisar, estritamente dentro da lei. Sem anistia!
Xingamentos
OK, pode não ser muito polido, mas é meio que natural que, diante dessa barbárie, o cidadão sensato sucumba à tentação e profira algum tipo de xingamento destinado à essa gente ruim. Eu mesmo, que não estou prestando vestibular para Madre Teresa de Calcutá, xinguei e xingo muito esses canalhas a cada novo vídeo da destruição, divulgado pela imprensa ou postado nas redes sociais. Nesse caso, xingar é libertador.
O problema é que, eventualmente, o xingamento atinge aqueles que nada têm a ver com a parada: os bichos. O santo nome dos outros integrantes do reino animal costuma ser usado, injustamente, em impropérios lançados contra pessoas (des)humanas.
Só para esclarecer melhor o meu ponto de vista. Não é que nós, humanos, não mereçamos xingamentos. Em boa parte das vezes merecemos sim, e muito! Como no caso desses vândalos transbordados de ódio destruidor. Os bichos é que não merecem a associação com esse tipo de gente. Assim, não é correto chamar esses caras, que são terroristas e, para alguns, nazifascistas ou neonazistas, de “porcos”, “burros”, “cachorros”, “toupeiras”, “vacas”, “zebras”, “asnos”, “cobras”, “vermes”, “lesmas” ou “ratos”. Eles não são isso. Eles são humanos. Canalhas, bandidos, vagabundos, perversos, abjetos, asquerosos, podres, criminosos, patifes. Mas humanos.
É claro, os insetos não poderiam ficar de fora dessa. A gente usa muito os insetos em expressões, ditados e frases de efeito do nosso idioma, coisa que já foi conversada aqui [2]. Mais que isso, os insetos são usados eventualmente como xingamento, algo que já foi brevemente comentado também neste espaço [3], em especial com relação ao próprio termo “inseto”. Nós, entomólogos, até podemos não concordar, mas a real é que quando alguém é chamado de inseto, está se tentando ofendê-lo. Está se tentando imputar ao xingado características como pequenez, fragilidade, nocividade, asquerosidade, nojeira. Está se dizendo que ele é tipo “a mosca que pousou no cocô do cavalo do bandido” ou que ele pode ser “pisado como uma barata”, “esmagado como uma pulga”, “espremido entre as unhas como um piolho”, “voraz como uma nuvem de gafanhotos” ou “destruidor como um cupim”.
Tremenda injustiça! Os insetos não são nada disso. Há sim engodos e artimanhas no mundo dos insetos, algo que já foi abordado por aqui [4]. Os insetos, muitas vezes, se fazem passar por algo que não são, em um festival de camuflagens, mimetismos e enganações. Como as mariposas que se perfumam de formiga para poderem predar tranquilamente as larvas de suas anfitriãs [5]. Há também golpismos, como certas formigas que invadem outros formigueiros, tocam o terror e dominam o novo território [6]. E há, é claro, insetos destruidores de documentos e obras de arte, como traças-de-livros, piolhos-de-livros, brocas, lagartas e cupins. Mas, ao contrário dos golpistas humanos – essa diferença é muito importante! -, tudo dentro da lei. A lei da natureza, aquela que verdadeiramente rege o universo.
Por fim, não foram as formigas que atacaram a democracia brasileira. Não foram as baratas que, no submundo dos esgotos, planejaram o golpe. Não foram os gafanhotos que rasgaram a tela de Di Cavalcanti. Não foram as mariposas que derrubaram a escultura de Brecheret. Não foram as cigarras que quebraram o relógio trazido por D. João VI. Quem cometeu essas barbaridades foram seres humanos. Da pior laia possível.
Ah, quando você for xingar alguém, use o palavrão certo: ser humano, bicho-homem, macaco-pelado ou, simplesmente, Homo sapiens. Esse sim merece ter o nome usado em xingamentos.
Referências
[1] https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/01/invasao-aos-tres-poderes-danifica-vitral-no-congresso-e-mural-de-di-cavalcanti-veja.shtml
[2] https://faunanews.com.br/2021/07/21/na-boca-do-povo-os-insetos-nas-expressoes-populares/
[3] https://faunanews.com.br/2022/11/16/quando-aracnideos-sao-insetos/
[4] https://faunanews.com.br/2021/02/17/carnaval-dos-insetos-um-mundo-de-cores-formas-e-farsas/
[5] https://researchinestonia.eu/2018/10/03/butterflies-that-eat-ants/
[6] https://www.sobiologia.com.br/conteudos/Curiosidades/5_coisas_assustadoras_que_voce_nao_sabia_sobre_formigas.php
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