Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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Olá, pessoal! Este mês, aqui na coluna Túnel do Tempo, teremos o artigo elaborado sobre a mais nova pesquisa brasileira, realizada pelo professor Rodrigo Müller, paleontólogo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Rodrigo é chefe do Centro de Apoio à Pesquisa da Quarta Colônia da UFSM. Seu principal interesse de pesquisa está na evolução das faunas triássicas, especialmente dos dinossauros. Espero que gostem, e não deixem de compartilhar nas redes!
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Quando pensamos em dinossauros, uma das primeiras imagens que nos vem à mente é a de uma criatura gigantesca de pescoço longo. Os dinossauros com essas características são chamados de saurópodes e foram os maiores animais que já andaram sobre a Terra. Além de enormes e pescoçudos, também são caracterizados por uma postura quadrúpede e dieta herbívora. Alcançando uma distribuição global, foram organismos de muito sucesso durante a era Mesozoica, especialmente durante os períodos Jurássico e Cretáceo. Hoje, seus imensos esqueletos fossilizados são os que mais chamam a atenção em museus e os que mais dão trabalho aos paleontólogos para serem escavados. Contudo, você já se perguntou como foi a trajetória evolutiva que levou esses dinossauros a tornarem-se tão formidáveis?
Para respondermos essa pergunta, precisamos mergulhar diretamente no momento em que os dinossauros estavam surgindo, no período Triássico, por volta de 233 milhões de anos atrás. Por sorte, esse momento é registrado aqui no Brasil, em leitos rochosos da região central do estado do Rio Grande do Sul, em um território chamado de Geoparque Quarta Colônia Aspirante Unesco. Na última década, o número de fósseis de dinossauros descobertos nessa região aumentou drasticamente, tornando-a uma das mais importantes do mundo no que diz respeito ao estudo da origem dos desses animais (como já foi abordado nesta coluna).
Entretanto, além de estratos com aproximadamente 233 milhões de anos, ali também se preservam rochas dos momentos subsequentes, revelando não só como foi a origem dos dinossauros, mas também as etapas seguintes de sua história evolutiva. Mais precisamente, a região preserva um intervalo evolutivo de aproximadamente oito milhões de anos. Ao longo desse intervalo, é possível observar como foi que os ancestrais dos dinossauros saurópodes passaram de criaturas pequenas à animais maiores e mais especializados.
Esses precursores dos saurópodes fazem parte de um grupo chamado de Sauropodomorpha. Os primeiros sauropodomorfos chegavam a medir cerca de 1,5 metro de comprimento e pesar menos de 10 quilos. Além disso, eram bípedes, tinham o pescoço curto e alimentavam-se de carne. Um exemplo de sauropodomorfo com essas características é o Buriolestes schultzi. Quando observamos esses traços, podemos concluir que ele foi basicamente o oposto de um saurópode.
Entretanto, ao investigarmos as rochas mais recentes daquela região, com cerca de 225 milhões de anos, passamos a encontrar sauropodomorfos que chegavam a quatro metros de comprimento e pesar quase 100 quilos, como o Macrocollum itaquii. Esses dinossauros continuavam bípedes, porém, já haviam adquirido um pescoço longo e mudado para uma dieta herbívora. Uma questão ainda mais intrigante que surge quando investigamos esses fósseis diz respeito ao modo como essas características se estabeleceram durante esse intervalo. Será que elas demonstraram uma tendência ou algumas delas surgiram de maneira mais abrupta?
Neste ponto, precisamos olhar para os fósseis de sauropodomorfos que são escavados entre as camadas que abrigam os mais antigos (isto é, cerca de 233 milhões de anos) e as rochas com cerca de 225 milhões de anos.
Existem alguns fósseis de sauropodomorfos que são atribuídos justamente a esse ponto de transição, tendo entre 230 e 228 milhões de anos. Uma das características mais interessantes desses fósseis é que eles são relativamente maiores do que as formas mais primitivas. Alguns chegavam a alcançar quase 2,5 metros de comprimento, como o Bagualosaurus agudoensis. A dentição também demonstra adaptações relacionadas a uma dieta herbívora ou onívora, indicando que o hábito carnívoro das formas ancestrais havia sido abandonado. Dessa forma, podemos concluir que o aumento do tamanho corpóreo e a mudança para uma dieta herbívora seguiram uma tendência durante os primeiros oito milhões de anos de evolução do grupo. Por outro lado, até esse ano, não sabíamos dizer se essa mesma tendência também poderia ser aplicada ao alongamento do pescoço, já que não havia séries cervicais preservadas para sauropodomorfos dessa idade. A resposta surgiu quando um conjunto de cinco vértebras articuladas foi escavado no município de Agudo, nessa mesma região central do Rio Grande do Sul. As vértebras foram investigadas por paleontólogos da UFSM e suas conclusões publicadas em um estudo por Damke e colaboradores no período The Anatomical Record.
O alongamento do pescoço na linhagem dos sauropodomorfos ocorreu através de duas maneiras. A primeira delas foi pelo próprio alongamento das vértebras cervicais, enquanto a segunda maneira foi através da inclusão de novas vértebras na série cervical. Quando observamos as cinco vértebras escavadas em Agudo, não podemos saber com exatidão se houve a inclusão de novas vértebras no pescoço daquele dinossauro. Entretanto, essa condição não é algo que surgiu nas primeiras formas de pescoço longo. Portanto, essa hipótese não é levada em consideração ao investigar o tamanho do pescoço desse fóssil. Por outro lado, uma maneira de saber se essas vértebras pertenceram a um dinossauro com pescoço mais longo é realizar medidas e compará-las com as de dinossauros de pescoço longo e curto. Foi o que Damke e seus colegas de pesquisa fizeram.
Através de medidas de proporções, o grupo notou que as cinco vértebras de Agudo eram proporcionalmente mais longas do que as vértebras de sauropodomorfos mais antigos, como o Buriolestes schultzi. Em contrapartida, as vértebras eram proporcionalmente mais curtas do que a das formas de pescoço longo já conhecidas, como o Macrocollum itaquii. Portanto, as vértebras de Agudo ficam exatamente “no meio do caminho” entre vértebras curtas e vértebras longas. O dono daquele pescoço era um dinossauro com um pescoço mais longo do que as formas mais antigas, mas ainda não era um “pescoçudo” típico. Esse resultado mostra que o alongamento do pescoço foi um processo evolutivo gradual na linhagem dos sauropodomorfos, acompanhando o aumento corpóreo e a mudança do hábito alimentar.
Quando somamos as descobertas feitas no Brasil com os resultados obtidos de outros lugares do mundo, conseguimos contar uma grande parte da história desses dinossauros tão incríveis. Contar essa história seria impossível sem os fósseis preservados em território brasileiro. Portanto, essa descoberta reforça ainda mais a importância do Brasil para a Paleontologia e o quanto que é importante que a pesquisa e a preservação desse patrimônio sejam apoiadas em nosso país.
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