Por Elisa Ilha
Bióloga, mestra em Biologia Animal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisadora colaboradora do Laboratório de Sistemática e Ecologia de Aves e Mamíferos Marinhos (Labsmar/UFRGS) e do Projeto Botos da Barra (Ceclimar/UFRGS)
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A compreensão da influência do oceano em nós e da nossa influência no oceano. Essa é a essência da cultura oceânica.
Mas você já tinha ouvido falar em cultura oceânica?
Esse é um termo traduzido do inglês Ocean Literacy. Literacy poderia ser traduzido como “alfabetização” ou como a “habilidade de compreender” determinado tema. “Cultura oceânica” foi, portanto, a tradução definida para o português brasileiro para difundir a ideia da alfabetização oceânica.
A cultura oceânica busca promover a conscientização sobre a conservação, a restauração e o uso sustentável do oceano e seus recursos; entendendo que, para isso, é fundamental construir uma base de conhecimento público e acessível, que seja capaz de aproximar e reconectar as pessoas com o oceano.
Afinal, todos e todas nós sabemos que o oceano é uma gigantesca parte da nossa querida Terra, mas são poucas as vezes em que nos damos conta da influência que ele tem em nossas vidas, ou como nós o influenciamos.
A cultura oceânica é uma estratégia vinculada à Agenda 2030, especificamente ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14 – Vida na Água, e à Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (também conhecida como Década do Oceano).
A cultura oceânica busca aproximar as pessoas e o cotidiano das pessoas do oceano para conscientizar, dialogar e reconhecer possíveis cenários mais sustentáveis para a conservação desse meio e todas as suas vidas.
O principal instrumento que orienta os caminhos através da cultura oceânica é o livro Cultura Oceânica para todos: Kit Pedagógico, em que são apresentados sete princípios fundamentais:
– Princípio 1: a Terra tem um oceano global e muito diverso;
– Princípio 2: o oceano e a vida marinha têm uma forte ação na dinâmica da Terra;
– Princípio 3: o oceano exerce uma influência importante no clima;
– Princípio 4: o oceano permite que a Terra seja habitável;
– Princípio 5: o oceano suporta uma imensa diversidade de vida e de ecossistemas;
– Princípio 6: o oceano e a humanidade estão fortemente interligados;
– Princípio 7: há muito por descobrir e explorar no oceano.
Importância do oceano
Os princípios reconhecem a importância do oceano para a nossa saúde, bem-estar e alimentação, assim como para a saúde da Terra, na presença da vida e na manutenção do clima. O oceano é provedor do oxigênio que respiramos, das chuvas e da manutenção do ciclo das águas das quais dependemos, está diariamente em nossa comida (desde o sal até a variedade de pescados que são consumidos), compõe inúmeros fármacos e é fonte da gasolina que movimenta automóveis e tantos outros produtos e processos. O oceano absorve calor através da retenção de gases do efeito estufa e contribui na regulação da temperatura global com ajuda das características físicas da água e da circulação das correntes marinhas.
Entretanto, esses sete princípios também buscam conscientizar cidadãs e cidadãos sobre como as nossas ações ameaçam a manutenção dessas importâncias. São problemas como o aumento das poluições biológica, sonora, química e de lixo marinho; a perda de biodiversidade marinha e de serviços ecossistêmicos; as consequências da pesca predatória, da acidificação e da desoxigenação do oceano; e dos impactos sofridos pelas comunidades costeiras relacionados às mudanças climáticas (como ressacas, alagamentos, erosões costeiras, a elevação do nível do mar e da temperatura da água…).
No livro Cultura oceânica para todos: Kit pedagógico, os princípios são abordados a partir de interessantes e rápidos exemplos, que permitem aprender e refletir sobre cada um deles.
A ideia aqui, é ir fazendo algo parecido, mas abordando, para cada um dos princípios, exemplos a partir de um dos animais carismáticos marinhos: os cetáceos (baleias, botos e golfinhos). Essas espécies têm potencial de atrair a atenção das pessoas (o que ajuda na sensibilização e no engajamento da sociedade para a conservação), além de cumprirem papéis fundamentais no oceano.
Oceano global e diverso
O Princípio 1: A terra tem um oceano global e muito diverso, no livro, é sobre um contêiner com 28 mil patos de borracha amarela que caiu no mar no caminho de Hong Kong (na China) para os Estados Unidos em 1992 (o que acontece não vou contar, para deixar de curiosidade de ler, já que vale a leitura!).
Mas esse princípio é sobre como o oceano, ainda que heterogêneo em ecossistemas e separado em bacias oceânicas (Atlântico, Pacífico, Índico, Antártico e Ártico), é um oceano global. Isso pode ser facilmente observado no Polo Sul de um mapa-múndi. No Brasil, a bacia que banha o nosso litoral é a do Atlântico.
As bacias oceânicas estão interconectadas e permitem que água do mar, matéria e organismos se movam entre elas. Esse sistema de circulação é nutrido por ventos e marés, pela força de rotação da Terra, pelo Sol, pelas diferenças de densidade da água (sendo algumas mais profundas e outras superficiais); e transporta calor e energia ao redor do mundo, sendo fundamental na regulação do clima na Terra.
Importância das baleias
No artigo “Precisamos das grandes baleias para reduzir os efeitos das mudanças climáticas“, vimos como as grandes baleias (como a baleia-jubarte) desempenham um papel fundamental no sequestro de carbono da atmosfera e contribuem para a regulação do clima do planeta. Também como esse carbono, além de ser retido no fundo do mar por séculos (atuando como um sumidouro de carbono), ajuda a sustentar a biodiversidade e os ecossistemas de profundidade após a morte desses mamíferos. Além disso, como, através dos seus excrementos ricos em nutrientes, as grandes baleias contribuem para o crescimento do fitoplâncton e como o fitoplâncton, através do processo de fotossíntese, sequestra CO2 da atmosfera e é uma das fontes mais importantes de oxigênio na Terra.
As grandes baleias, ainda, realizam grandes movimentos no oceano global, através das massas de água, contribuindo para a distribuição de nutrientes e para o crescimento de fitoplâncton. Algumas espécies realizam longas migrações latitudinais todos os anos, movimentando-se desde suas áreas de alimentação próximas aos polos (nas bacias do Antártico e do Ártico) até suas áreas reprodutivas, em direção à linha do Equador (nas bacias do Atlântico, Pacífico e Índico). Essas viagens ilustram como as bacias estão interconectadas no oceano global.
No próximo artigo, seguiremos com mais exemplos com diferentes espécies de cetáceos para os demais princípios. Até lá!
– Leia outros artigos da coluna AQUÁTICOS
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