Por Silvana Davino
Bióloga e responsável técnica da Área de Soltura Monitorada (ASM) Cambaquara, em Ilhabela (SP)
segundachance@faunanews.com.br
Neste mês, o Fauna News vem reforçando o impacto que o tráfico de animais silvestres causa em nossa fauna e meio ambiente. No artigo de julho, citei a importância das áreas de soltura para devolver esses animais à natureza, sendo que a maior parte deles é proveniente do comércio ilegal, e mencionei a fragilidade das leis ambientais nas punições para esse crime.
Há alguns anos, foi feita uma apreensão de um periquito-verde Brotogeris tirica pela Polícia Militar Ambiental paulista após denúncia, que o encaminhou para a nossa instituição, a Área de Soltura Monitorada (ASM) Cambaquara. Eles pediram encarecidamente que cuidássemos muito bem do periquito e que mesmo que ele tivesse em condições de soltura para eu não fazê-lo, pois os “tutores” iriam requerer a guarda dele. Nesse mesmo dia, eu recebi uma ligação de uma mulher, a “tutora” que de alguma forma conseguiu meu telefone pessoal, ofendendo e desprezando a nossa instituição com insultos desmedidos e ainda nos ameaçou.
Cuidamos do periquito-verde como tratamos todas as aves que chegam na ASM. Ele foi colocado com periquitos da mesma espécie e rapidamente se ambientou e interagiu com seus pares.
Após uma semana, recebo uma intimação do Tribunal de Justiça da minha cidade para devolver o periquito no prazo de 48 horas sob pena de ter que pagar mil reais por dia de multa, caso não o fizesse. O juiz alegava que a ave não sofria maus-tratos, que ela já fazia parte da família e, portanto, não teria chance de retornar à natureza. A avaliação veterinária foi feita por uma clínica de cães e gatos contratada pelos próprios tutores (requerentes). O juiz baseou-se também na jurisprudência em que o Judiciário, em várias partes do Brasil, resolveu devolver as aves aos seus “tutores ilegais” baseados em sentenças com casos similares.
A situação toda me deixou perplexa pela intimidação dos tutores à Polícia Militar Ambiental e à ASM Cambaquara, pela avaliação se o periquito poderia retornar à natureza não ter sido realizada por técnicos habilitados em animais silvestres e também por não ter sido priorizada a possibilidade de a ave ser reinserida na natureza em primeiro lugar, como preconizam as leis ambientais.
Este é o cenário da gestão de fauna silvestre no Brasil, que segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) tem na atual legislação brasileira uma das dificuldades no combate ao tráfico, uma vez que: a) parte da população desconhece as leis; b) não há o cumprimento da lei; c) falta de rigidez na aplicação das leis; e d) pouca consideração ao crime contra a fauna silvestre por parte das autoridades jurídicas. Para solucionar tais problemas, a ONG indica: a) maior divulgação e esclarecimento da lei; b) aplicação mais severa; e c) atualização da lei, prevendo o tráfico pela internet.
Infelizmente, não se tem dado a devida importância aos nossos animais silvestres, o que poderá causar uma perda inestimável a nossa biodiversidade. Nós da ASM Cambaquara não medimos esforços para tentar mudar, pelo menos localmente, esse cenário. Alocamos recursos próprios e realizamos trabalhos voluntários, tanto de recuperação das aves como em educação ambiental, pois acreditamos ser o caminho para a mudança desse triste cenário.
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