Por Kamila Bandeira
Bióloga com mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É doutoranda no mesmo programa, além de pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Suas pesquisas estão focadas em Paleontologia de vertebrados
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Depois de muita polêmica e lutas através das redes sociais, finalmente o dinossauro Ubirajara voltará ao Brasil após vinte e sete anos de sua extração e exportação ilegal. O Ubirajara foi um terópode enigmático por sua vasta cobertura de penas e um peculiar par de estruturas rígidas em seus ombros, cujo fóssil estava depositado no Museu Estadual de História Natural de Karlsruhe (Staatliche Naturkundemuseum Karlsruhe), na Alemanha. O caso criou um forte levante nas redes sociais (especialmente liderado pela paleontóloga e professora Aline Ghilardi, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e tornou-se um dos mais marcantes sobre a problemática do tráfico de fósseis no Brasil.
As leis e as portarias explicando sobre a ilegalidade da venda dos fósseis foram abordadas nesta coluna, no artigo: como podem ser lidas no artigo “#UbirajaraBelongsToBR – Movimento exige a repatriação de fóssil de novo dinossauro brasileiro”, publicado em 8 de janeiro de 2021.
Inicialmente, a instituição alemã anunciou que não devolveria ao Brasil o fóssil, porém, após muitas negociações realizadas por paleontólogos brasileiros, as autoridades alemãs reconheceram que a exportação e a aquisição desse espécime foram através de atividades irregulares. Mais recentemente, o Conselho de Ministros de Baden-Württemberg aprovou a proposta da ministra da Ciência da Alemanha, Theresia Bauer, para devolver o Ubirajara ao nosso país. Entretanto, ainda não há uma definição de qual instituição brasileira receberá o fóssil, nem a data do seu retorno. Porém, há uma chance desse dinossauro ser alocado no Geoparque Araripe (CE), que atualmente está em negociações com o grupo de curadores de museus da Alemanha para tentar abrigar esse icônico espécime. Nada mais justo, uma vez que o Ubirajara foi descoberto e saiu ilegalmente da chapada do Araripe. Essa região é riquíssima em fósseis em excelente estado de preservação, principalmente de dinossauros e pterossauros, como já abordamos em abril e junho de 2021.
Felizmente, o caso do Ubirajara não foi a primeira repatriação de um fóssil brasileiro – ainda que seja bastante emblemático pela forma como foi feito, uma vez que tomou proporções gigantescas graças as redes sociais. Em 2016, paleontólogos do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro conseguiram retornar ao Brasil uma coleção de invertebrados fósseis que estavam depositados por mais de seis décadas na Universidade de Cincinnati (EUA). Essa coleção, chamada Coleção Caster (em homenagem ao já falecido geólogo norte-americano Kenneth Edward Caster), continha dezenas de fósseis de invertebrados tanto do Paleozoico quanto do Mesozoico do nosso país, sendo então incorporadas ao acervo de paleoinvertebrados do Museu Nacional. Infelizmente, após o trágico incêndio de 2 de setembro de 2018, boa parte desse acervo repatriado foi destruído. Pouco mais de 50 exemplares foram resgatados.
Ainda em 2022, o retorno de um crânio incompleto de um pterossauro (atribuído à espécie Tupandactylus imperator) chamou rapidamente atenção: além do indivíduo em si apresentar estruturas similares a filamentos e tecido mole preservado, o fóssil estava na Bélgica, em posse do Instituto Real Belga de Ciências Naturais. Um acordo entre a embaixada do Brasil em Bruxelas e a instituição científica belga, realizado em 2021, garantiu a repatriação do espécime para o Brasil. O fóssil foi então encaminhado para o Museu de Ciências da Terra (MCTer), no Rio de Janeiro.
Por último, é importante lembrar a ação da Polícia Federal, que em fevereiro deste ano fez a restituição de dezenas de fósseis apreendidos durante uma investigação iniciada em 2011. Esses materiais foram conduzidos para o Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará. Dessa forma, ainda que haja muitos espécimes em posse de instituições e coleções particulares estrangeiras, há a esperança de que essas últimas aquisições abram precedentes para que esses fósseis retornem ao Brasil.
Para saber mais
– Sobre a volta do Ubirajara
https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/2022/07/18/ubirajara-jubatus-alemanha-considera-repatriar-fossil-de-dinossauro-cearense.html
– Sobre as negativas iniciais do museu alemão em devolver o Ubirajara
https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/apos-protesto-alemanha-diz-que-nao-devolvera-fossil-de-dinossauro-brasileiro/
– Sobre a repatriação de um pterossauro
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/fossil-de-pterossauro-e-repatriado-e-ficara-em-museu-carioca/
– Scheffler, S.M.; Fernandes, A.C.S.; Silva, M.B.; Videira-Santos, R; Sousa, L. B. G. 2021. Repatriamento, Incorporação e Destruição: o destino da Coleção Caster no Museu Nacional/UFRJ. Terr Plural 15:1-21.
– Leia outros artigos da coluna TÚNEL DO TEMPO
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