Por Cristine Prates
Bióloga, consultora ambiental e guia de observação de aves. Proprietária da Birding Chapada Diamantina. Tem experiência em projetos de pesquisa e conservação de aves da Caatinga.
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Estamos em uma geração em que os jovens, em sua maioria, estão desconectados da natureza. Em virtude das grandes cidades, muitas vezes violentas, somado a rotinas intensas e interações pessoais muito mais no mundo virtual do que no físico, nossas crianças e jovens encontram-se horas na frente do celular, sozinhos, dentro de casa, interagindo com uma tela durante o seu dia. Aquela infância de brincar com grupos enormes de amigos na rua, de explorar o bairro, de subir em árvore, de passar o final de semana no sítio, de interagir com a natureza está cada vez mais escassa.
Sabemos da importância e dos benefícios do contato com a natureza para o ser humano e como essa interação pode fazer diferença nas escolhas para o futuro das nossas gerações. A atividade de observação de aves pode ser um caminho para tentar tirar os jovens de casa, da frente dos seus celulares e trazê-los para a natureza. A passarinhada em sua maioria é praticada por pessoas entre 35 e 54 anos de idade, porém alguns jovens estão surgindo no “mundo dos passarinhos” aqui no Brasil.
Conversei com oito jovens observadores para tentar entender o que os levaram a praticar um hobby tão peculiar: o Gabriel Volker (13 anos e começou a passarinhar com 11), o Matheus Silva (tem 14 anos e passarinha desde os 10), o Pedro Arthur Salandin (15 anos, começou aos 12), o Daniel Rego (17 anos, iniciou aos 15), o Estevão Freitas Santos (17 anos, começou com apenas 7 anos e já foi colaborador desta coluna), o Henrique Mariano (18 anos e passarinha desde os 8), o Pedro Henrique Souza (18 anos, começou com 16) e a Lorena Patrício (20 anos e passarinha desde os 10).
Metade deles chegou na observação de aves por meio de livros. A Lorena contou que uma série de livros de fantasia sobre corujas chamada A Lenda dos Guardiões despertou a paixão por essas aves de rapina e pesquisando sobre elas e outros rapinantes descobriu que existia uma atividade de observação de aves. “O website WikiAves foi, com certeza, o que me introduziu a esse universo e assim, através da fotografia de aves, passei a conhecer nossa avifauna brasileira”. O Estevão, o Gabriel e o Henrique também tiveram o interesse pelas aves despertado por conta dos livros naturistas, guias de aves e afins.
O Pedro Souza teve a sorte de conhecer um observador de aves em ação no sítio da família. Segundo ele, não houve muito interesse de início, até começar a corujada e uma caburé pousar a menos de dois metros. Foi ali que ele se encantou. Em dois anos o Pedro já coleciona 273 espécies fotografadas. O Matheus descobriu a observação de aves navegando pela internet e chegando ao mais completo site de informações sobre as aves no Brasil, o Wikiaves. Já o Pedro Arthur começou através da sua mãe, que trabalhou como agente de viagem na famosa Brazil Birding Experts. Os pequenos observadores relataram que o comportamento das aves e o contato com a natureza são os fatores que mais despertaram o interesse deles por essa atividade.
Perguntei se eles tinham amigos da mesma idade para praticarem juntos a observação de aves. A maioria afirmou que não e, por isso, acabam indo passarinhar com os pais, sozinhos ou com amigos bem mais velhos. Também comentaram sobre o que os amigos não passarinheiros da mesma faixa etária deles acham da prática: “Os que não passarinham estranham ou pouco compreendem no que consiste essa atividade”, afirmou Estevão. A Lorena compartilhou que sentia muita timidez em compartilhar esse gosto peculiar com colegas não observadores. O Pedro Souza disse que alguns amigos já fizeram piadas pelo gosto diferente de observar passarinhos.
Lorena fez uma articulação muito importante para reunir os jovens observadores que estavam espalhados e isolados no nosso país. “Durante o Avistar, evento nacional de observadores aves, tentei conectar outros passarinheiros mirins por meio do grupo Bando Misto, que organizei junto a outros jovens em 2018. No ano seguinte, eu e o Estevão Santos criamos junto a parceiros do Laboratório de Ornitologia da Universidade de Cornell (EUA) o primeiro “acampamento” para jovens observadores de aves no Brasil: o Young Birders Event Brasil. Através dele, pudemos oferecer por dois anos consecutivos (2019 e 2020) um espaço de encontro para jovens brasileiros e de outros países para se reunirem em hotspots de observação de aves no Brasil durante uma semana, trocando conhecimentos, experiências e construindo novos contatos entre si. Poder realizar algo que ofereceu oportunidades para outros jovens talvez tenha sido uma das experiências mais gratificantes para mim e espero continuar fomentando essas atividades”.
Fiz o seguinte questionamento aos pequenos gigantes observadores: “Vocês acham que a observação de aves mudou alguma coisa na sua vida e/ou que ela pode mudar alguma escolha do seu futuro?” E para emoção da velha passarinheira aqui que vos escreve, seguem as respostas:
“A observação de aves mudou totalmente os rumos da minha vida, inclusive minhas projeções para o futuro. Ela me ajudou a querer ampliar ainda mais a minha rede de interesses, de modo a abranger a natureza como um todo.” (Estevão)
“A observação mudou completamente minha visão da vida e do mundo como um todo. Sinto que “renasci” com ela e hoje percebo muitas coisas que antes nem dava tanta atenção! A observação até já me convenceu a trabalhar futuramente com as aves e como guia!” (Matheus)
“Eu respeito mais a natureza depois da observação de aves e me preocupo em passar isso para outras pessoas.” (Pedro Arthur)
“Acho que a observação de aves foi extremamente significativa na minha vida desde que eu comecei. Ela despertou em mim uma sensibilidade com relação à natureza que eu não tinha antes. Agora todo lugar que eu vou, eu presto atenção para ver se consigo identificar alguma ave e, frequentemente, faço listas imaginárias das espécies que vejo enquanto estou no carro. Passarinhar com certeza fortaleceu meu desejo de trabalhar com economia e sustentabilidade no futuro.” (Daniel Rego)
“A prática se torna um estilo de vida. Na realidade, toda a minha vida gira em torno dos passarinhos e não vejo de outra forma. Desde pequeno, dediquei-me por inteiro e até os dias atuais estou nessa. Cresci junto com os passarinhos, então é a parte mais importante da minha vida. Com certeza moldou meus conceitos, minha perspectiva sobre o mundo em que vivemos. Eu aprendi muito apenas saindo e procurando pelas aves. Me permitiu conhecer lugares e pessoas e a conviver com as mais diferentes ideias. (Henrique Mariano)
Para fechar o bate-papo com esses seres incríveis, eu perguntei como eles convenceriam outros jovens a praticar a observação de aves. O Mateus afirmou que a observação nos reaproxima da natureza e acalma a alma e coração de uma forma que nenhuma outra coisa faz de forma tão eficaz. O Daniel relata que já tentou convencer vários amigos da escola. “Criei um projeto de conscientização sobre as aves que ocorrem no campus do colégio e contei com a participação de várias crianças do ensino fundamental, que construíram comedouros e casinhas. Frequentemente, quando tento estimular a observação de aves para outros jovens, digo que é uma forma de relaxar, de se conectar com a natureza e conhecer novos lugares. Às vezes, até comparo a atividade a “caçar Pokémons” na vida real”.
Termino este artigo com a fala da Lorena e agradeço a todos que participaram. A experiência deles aqui registrada demonstra que sensibilidade e conhecimento não faltam. Que a observação de aves forme muitos jovens envolvidos com o futuro do nosso planeta.
“Acredito que nem todo jovem precisa ser observador de aves. Cada um está a caminho de descobrir sua paixão. Porém, compreender a natureza ao nosso redor e se conectar mais com ela é algo que todo jovem deveria ter a oportunidade de fazer, em minha opinião. Não só o contato com a natureza pode ser muito benéfico para nossa saúde, como também nos conscientiza sobre a necessidade de conservar e proteger o meio ambiente, o que deveria estar presente em todos nessa era em que vivemos de modernização e crises ambientais e climáticas.
Nesse sentido, acredito que passar a conhecer e observar as aves é uma das melhores formas de conectar os jovens e as crianças com a natureza, pois esses animais são muito atraentes, relativamente fáceis de observar e identificar e estão em todos os cantos. São poucos os que não se encantam pelos beija-flores ou que nunca ouviram o canto do famoso bem-te-vi. Talvez a chave para a esperança esteja nos passarinhos e, se for o caso, temos sorte por ter um país tão biodiverso quanto o Brasil!”
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