Por Thiago Mariani
Biólogo e doutor em Zoologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É vinculado ao Laboratório de Paleontologia e Osteologia Comparada da Universidade Federal de Viçosa e colaborador do Laboratório de Processamento de Imagens do Museu Nacional. Desenvolve pesquisas sobre a evolução de tartarugas, com foco em um grupo conhecido como Pleurodira.
tuneldotempo@faunanews.com.br
Opa, tudo bem? Túnel do Tempo chegando para abordar os anfíbios fósseis do nosso continente. Você que acha que não tem fóssil de sapo, tem sim e eles são a grande maioria! A maior parte dos fósseis de anfíbios encontrados até hoje na América do Sul são de sapos, rãs e pererecas. Se isso não é “doidimais”, eu não sei o que é. E o mais legal é que existe explicação para a superioridade de fósseis desse grupo de anfíbios em relação aos outros!
Então segue a linha que explicarei um pouco sobre os anfíbios atuais para depois contar dos extintos e deixar as coisas mais claras. Simbora!
Todo mundo conhece um anfíbio quando vê um, né? Sapos, rãs e pererecas são os mais encontrados pelas pessoas, às vezes dentro de casa ou do banheiro. Esses animais são bastante diversos (existem muitas espécies no mundo) e eles habitam inúmeros ambientes, tanto que ocorrem em quase todos os continentes – a exceção é a Antártica.
Os anfíbios de atualmente são classificados em três grupos: os anuros (Anura), sendo estes os sapos, as rãs e as parerecas; os urodelos (Urodela), sendo os mais comuns as salamandras; e as cecílias (Gymnophiona), anfíbios compridos que parecem serpentes, também conhecidos por cobras-cegas. Esses animais são caracterizados por terem duas fases de vida, uma de larva e outra adulta, sendo que essa transição ocorre por metamorfose (como comparação, esse mesmo processo acontece quando a lagarta forma o casulo e sai como borboleta). Além disso, eles têm a pele fina por onde uma parte da respiração acontece, tanto que necessariamente vivem em locais úmidos para que a pele permaneça saudável e a respiração ocorra com eficácia. Por isso são tidos como animais gosmentos ou melequentos e muitas pessoas sentem nojo deles.
Existem muitas espécies pelo mundo e especificamente na América do Sul eles são incrivelmente diversos. São aproximadamente 1.150 espécies só no Brasil e existem tantas outras que ainda não foram encontradas. Uma explicação para tanta diversidade no continente vem da história geológica do território, começando com a separação do supercontinente Gondwana durante o Jurássico, a formação de regiões isoladas durante o período seguinte (Cretáceo) e a era Cenozóica e os eventos geológicos mais recentes, como o surgimento da cordilheira andina e a ligação entre as Américas do Norte e do Sul pelo istmo do Panamá.
Um fator importante nesse contexto é que o Brasil é um país geralmente úmido há muitos milhões de anos (como já mostrado na coluna). E os anfíbios gostam de umidade, então locais adequados para esses animais sobreviverem foram e são comuns no nosso país.
O Brasil possui 30 localidades com anfíbios fósseis, a maioria de períodos da era Cenozóica, quando o clima terrestre se tornou progressivamente mais quente. Os sítios fossilíferos concentram-se no Sudeste e no Nordeste, com destaque para a bacia do Araripe (Cretáceo Inferior), onde os fósseis mais antigos de anfíbios do país foram encontrados; a bacia Bauru (Cretáceo Superior); e a bacia de Itaboraí (Eoceno). Por serem locais de idade mais antiga, são importantes para marcar etapas da distribuição e da evolução desses animais nessas épocas.
Os anfíbios mais antigos da América do Sul são do Jurássico Inferior (entre 200 e 174 milhões de anos) da Argentina. No Brasil, os mais antigos são da bacia do Araripe, com aproximadamente 115 milhões de anos. Fósseis dos três grupos de anfíbios foram encontrados no continente americano, mas no nosso país somente fósseis de anuros foram encontrados até hoje.
Todos os locais com registros fossilíferos foram regiões úmidas onde esses animais conseguiam sobreviver. As reconstruções ambientais baseadas na análise dos sedimentos rochosos de onde os fósseis vieram mostraram ambientes como poças, lagos e planícies de inundações. Sabe-se que esses ambientes favorecem a fossilização – e me refiro a todos os tipos de seres vivos –, pois dentro da água os corpos podem ser protegidos da decomposição intensa e rápida e serem cobertos por sedimentos finos que facilitam a preservação das partes corporais. Para animais como os anfíbios, em que os ossos são bastante delgados, esses locais são ideais para sua fossilização. Ao mesmo tempo, essa característica torna menos provável à preservação, pois são frágeis e sensíveis aos diversos processos que podem acontecer até a formação da rocha.
Como já foi dito, o Brasil (e a América do Sul como um todo) se tornou mais úmida com o passar dos anos. Ao passo que essa mudança favorece a expansão e a diversificação dos anfíbios e de diversos grupos de animais, também limita os locais onde possa haver a formação e preservação de fósseis, porque um regime climático úmido (sejam rios extensos ou chuvas intensas) causa muita alteração na paisagem, e os ambientes para a fossilização dependem de fatores geológicos para surgirem. A água também é um agente que causa muitas reações químicas nos minerais, como os presentes nos ossos, causando a degradação deles. Sendo assim, animais delgados e pequenos como os anfíbios têm menos chance de se fossilizarem do que aqueles que são maiores ou mais ossificados.
Todos os fósseis têm sua importância. Encontrar fósseis de anfíbios se torna muito marcante devido à natureza do grupo e à restrição existente na distribuição deles (lembrando que são dependentes de ambientes úmidos). Ou seja, são raros de serem encontrados. O Brasil tem a sua importância por ter fósseis muito bem preservados, como aqueles da bacia do Araripe, e uma diversidade pretérita incrível – válido também para o restante da América do Sul. Infelizmente, grande parte não foi descrita ainda e não se conhece a totalidade de sua diversidade.
Esses registros são importantes para os estudos evolutivos, em que pode se encontrar as relações de parentesco (filogenia) entre os grupos de anfíbios de vários locais do mundo e compreender a evolução morfológica e de distribuição geográfica. Isso contribui, e muito, para entender os fatores que causaram a diversificação do grupo e, principalmente, as causas de extinção. Sabemos que esses animais são sensíveis às variações ambientais e investigar causas passadas nos ajuda a compreender o presente e a guiar ações para o futuro.
Essas noções tornam-se ainda mais fundamentais no contexto de aquecimento global e da destruição da natureza pelo qual o planeta tem passado, como consequência das ações humanas. Ao mesmo tempo que temos a capacidade de destruir, temos a capacidade de reconstruir. Temos a faca e o queijo na mão e sabemos como usá-la. É só querer usar.
– Leia outros artigos da coluna TÚNEL DO TEMPO
Observação: as opiniões, informações e dados divulgados
no artigo são de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es)